São Paulo, sábado, 18 de maio de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O Maduro

CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - De certo tempo para cá pensei que estava ficando louco. A imagem de um parque, solitário e deserto como o daquele poema de Verlaine, começou a me perseguir, um parque fincado na memória ou no delírio, que tinha um nome estranho e nada poético: o Maduro. Tomei informações com pessoas antigas e nenhuma delas se lembrava do parque.
Duas ou três vezes fui lá, reconheci algumas casas, mas onde estavam as mangueiras que haviam dado o nome à rua que levava ao parque? Não, o Maduro nunca existira, fora um sonho recorrente da infância que o adulto, distraído e corrompido pela realidade, inventara para preencher o vácuo das horas desperdiçadas pela criança.
Eis que a Companhia das Letras vai publicar, organizada por Ruy Castro e com perfil feito por Sérgio Augusto, uma coletânea de trabalhos do Max Nunes. Recebi os originais para fazer a orelha do livro. Na última gaveta da prosa do famoso humorista dou uma trombada com a crônica "Paredes de mim mesmo". É sobre o mesmíssimo Maduro que eu já desanimara de encontrar, remetendo-o à lata de lixo da memória que é a alucinação.
Sim, o Maduro existiu. Max o descreve no final da rua das Mangueiras, as casas iguais e nomeadas como "lar de Zulmira" ou "Vila Amélia". A crônica do Max é de 1954, ele faz uma visita ao universo de suas paredes e sofre com as casas que não mais existem, com suas fontes de águas milagrosas, um parque que se desmanchou como bola de sabão, mas ficou intacto, suspenso no ar do tempo perdido.
Foi um susto para mim. Um susto e um encantamento. Afinal, o Maduro existiu mesmo e a partir dele eu até que posso ser um outro homem. Haverá no mundo um desvairado como o Max Nunes que, seguindo outros roteiros, acredita que também brincou num parque cheio de mangueiras que nunca existiram.

Texto Anterior: Recibo público
Próximo Texto: Cidadania e moradia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.