São Paulo, sábado, 18 de maio de 1996
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A favor dos usuários

JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI

A regulamentação dos planos de saúde é necessária desde que feita na direção correta: impedindo exclusão de procedimentos de diagnóstico ou tratamento, limitação do tempo de internação e UTI e submetendo-os à fiscalização que proteja o usuário.
Preços diferentes podem existir decorrentes de luxo, porém nunca deverão significar a exclusão de procedimentos caros como transplante renal, câncer, Aids, marcapassos, como vem acontecendo e estava por ser legalizado por meio do substitutivo do projeto de lei nº 4.425 de 1994, que, motivado por forte lobby no Congresso, substituiu quatro projetos de lei, que impediam exclusões e protegiam o usuário, por outro fortemente excludente e que passa para o Conselho Nacional de Seguros Privados (órgão protetor de bancos) a responsabilidade do controle.
Felizmente, junto com entidades de proteção ao usuário (Idec, Procon e Conselho Federal de Medicina), conseguimos motivar a imprensa, que passou a pautar a questão. O substitutivo revisto pelo deputado José Fortunati foi recolocado na direção correta, acrescendo-se a obrigatoriedade de ressarcimento aos hospitais públicos que estão atendendo 20% a 30% de pacientes que pagam planos de saúde.
O Ministério da Saúde prepara um benfazejo plano padrão nessa mesma direção e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico ameaça punir aumentos abusivos. Acho que o jogo virou a favor dos usuários de planos de saúde. Mas e os outros 120 milhões de brasileiros que nem pensam em poder comprá-los e têm 70% das ações de saúde terceirizadas para hospitais privados pessimamente pagos, que excluem, para não ter prejuízo, os atendimentos mais necessários? Não há lei que os regulamente, só são fiscalizados por um computador em Brasília e fraudam. Nunca é demais lembrar o exemplo de Caruaru: para fazer economia, a água do açude foi diretamente para a veia dos renais crônicos. Morreram 48. A fiscalização do hospital não era responsabilidade do secretário da Saúde, que se eximiu, ou do computador de Brasília, que não vê açudes ou pessoas.
Se saúde ainda pode ser uma mercadoria para aqueles que têm dinheiro e poder para garantir a qualidade do produto adquirido, é justo legislarmos e protegê-los como estamos fazendo. Entretanto para 70% dos brasileiros que não têm recursos, a saúde deve ser um direito e o governo deve provê-lo por meio de um sistema público eficiente e humano, e não terceirizado, que mascara a privatização perversa onde ela não pode existir, mas que hoje tende a expandir-se e institucionalizar-se, contrariamente à Constituição.
Essa pode ser a diferença entre o liberalismo moderno e social, que permite o serviço privado para quem quer e pode e oferece o direito à saúde para quem precisa e não pode pagar, e o neoliberalismo insensível e excludente, que faz com que cada um tenha a saúde que "merece", de acordo com o dinheiro que tem.

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