São Paulo, domingo, 19 de maio de 1996
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Caos marca a cobrança de imposto

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O acreano Falb Saraiva de Farias é dono de 1,8 milhão de hectares de terra (quase quatro vezes o tamanho do Distrito Federal).
É apontado como o maior proprietário individual de terras no país e diz que "paga pouco" ITR -o Imposto Territorial Rural.
O caso de Falb mostra, ao mesmo tempo, a deficiência do controle de terras no Brasil e a baixa eficácia do imposto, que deveria cobrar caro das grandes propriedades improdutivas.
Propriedades grandes e improdutivas dominam pelo menos a metade da área rural. Mas o imposto arrecada pouco.
Com 60 alíquotas (entre 0,02% e 4,5%) e 180 situações diferentes de aplicação, o ITR é, na avaliação do secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, "ineficiente e impossível de ser fiscalizado".
Vale a palavra
A Receita, responsável pela cobrança, não consegue conferir se cada uma das 3.270.973 propriedades registradas no país está ocupada ou não. Se produz ou se só serve à especulação. Acaba valendo a palavra do proprietário e sua disposição de pagar ou não a taxa.
"O ITR consegue a proeza de não servir de instrumento eficaz de arrecadação nem contribuir para desestimular a especulação", resume Everardo Maciel.
A arrecadação do imposto, nos últimos anos, mais parece uma gangorra: além de baixa, é instável. Em 1994, o ITR nem foi cobrado, após a última mudança na lei.
Em 1996, se tudo correr como o governo espera, a arrecadação do ITR chegará a R$ 250 milhões.
Se todos os proprietários pagassem o que devem, os cofres públicos poderiam arrecadar cerca de dez vezes mais sobre a propriedade rural -R$ 2,5 bilhões-, estima o ministro da Política Fundiária, Raul Jungmann.
A saída apontada pelo governo depende de uma mudança na Constituição.
Consiste em transferir a arrecadação do ITR para os Estados e municípios, que poderiam fiscalizar mais de perto os proprietários. Maciel afirma que a forma de cálculo também terá de mudar.
Irreal
O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) reconhece que o cadastramento de terras no Brasil está longe de mostrar a realidade do país.
Por um motivo simples: o cadastro também se baseia no que os proprietários declaram.
O próprio Falb, localizado pela Folha no escritório em Campo Grande (MS), afirma que tem "mais ou menos" o que declarou ao Incra no recadastramento de 1992 -o último feito no Brasil.
Falb colocou no nome do irmão (Francisco das Chagas de Farias) parte das terras que tem no Estado do Amazonas.
Falb rejeita a denominação de maior proprietário de terras no Brasil. Tampouco gosta de ser chamado de latifundiário, nome que considera um palavrão. "Isso tudo é conversa: tem gente que tem muito mais do que eu", aposta.
Guiness
A relação do Incra dos grandes proprietários de terra é preliminar. Os técnicos ainda tentam descobrir o que foi feito, por exemplo, com os mais de 2 milhões de hectares que o paulista Pedro Aparecido Dotto tinha no Acre no cadastramento anterior (feito em 1978).
Dotto entrou até para o livro dos recordes (Guiness) no lugar atribuído agora, pelo levantamento do Incra, a Falb Farias.
Entre os dois cadastramentos, as posses de Dotto encolheram para 2,2 mil hectares.
O Incra também não descobriu o que aconteceu com os 4 milhões de hectares de propriedade da madeireira paranaense Manasa.

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