São Paulo, domingo, 19 de maio de 1996
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Governo compra até fazendas 'fantasmas'

ABNOR GONDIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo federal destinou R$ 3,1 milhões em 1988 para desapropriar uma fazenda no Pará maior do que a baía da Guanabara (RJ), mas até hoje não sabe se ela existe.
A história integra o mapa de fraudes em desapropriações de terras que está sendo investigado pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Trata-se da "desapropriação amigável" da fazenda Paraízo, com 58 mil hectares em troca de 55.221 Títulos da Dívida Agrária.
Em 1987, um ano antes da desapropriação, uma agrônoma do Incra vistoriou a área sem encontrar a fazenda ou conflitos fundiários que justificassem seu uso para assentar sem-terra. Mesmo assim, a transação foi efetivada.
O relatório da vistoria, obtido pela Folha, apontou que existem na área "várias fazendas de grande extensão, tendo também superposição de título expedido pelo governo do Estado".
"Fazenda no céu"
Apesar do relatório, as TDAs teriam sido pagas se o Incra não tivesse sido alertado por seis fazendeiros da região. Eles moveram ação junto ao Incra para sustar a desapropriação, pois a fazenda Paraízo incidia sobre suas terras.
"Como o nome diz, a fazenda Paraízo está no céu", brinca o fazendeiro Nelson Antunes Borges, da Agropecuária Ema, um dos autores da ação.
Por causa da denúncia dos fazendeiros, o Incra apreendeu os TDAs expedidos, mesmo sem confirmar a inexistência da Paraízo. Antes da apreensão, o suposto proprietário da Paraízo, Vicente de Paula Pedroza da Silva, já tinha passado adiante os papéis.
Os títulos tinham sido comprados pela Portus (Instituto de Seguridade Social da Portobrás), que ficou com o prejuízo. "Vendi os TDAs por um deságio de 88% e o dinheiro só deu para comprar um bom apartamento e três carros", afirma Pedroza da Silva.
Segundo ele, a fazenda existe e só decidiu vendê-la ao Incra para evitar confronto com os sem-terra. Uma ação judicial será movida para anular a desapropriação.
Investigação
O ministro de Política Fundiária, Raul Jungmann, quer apurar as fraudes em desapropriações de terras para a reforma agrária.
O trabalho vai começar por Rondônia, onde em 1988 foi desapropriada a fazenda Boa Esperança, com terra considerada imprestável, que custou R$ 50 milhões.
O Incra nunca conseguiu assentar qualquer colono na área. O mesmo ocorreu com a fazenda Ceará, oferecida ao Incra por uma suposta quadrilha especializada em superavaliações de terra.
Para investigar a indústria das desapropriações, Jungmann nomeou o procurador e topógrafo Petrus Emile Abi-Abib, responsável pela sustação do pagamento de cerca de R$ 700 milhões a supostos proprietários de terra no Paraná.
O ministro pretende formar uma comissão com funcionários do Ministério Público e Tribunal de Contas da União para levantar e anular as superindenizações.

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