São Paulo, domingo, 19 de maio de 1996
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Na língua e na rede

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

"O quadro é negro", disse o loiro ao entrar na sala. "Quanto a isso não há dúvida", concordaram os presentes. Mas logo foram todos interrompidos pelo primor de candura e correção que se ergueu de um canto : "Quadro negro é uma expressão racista que gente esclarecida como vocês não deveria usar".
"Ai, meu Deus", pensei, irritado, mas não como um religioso. Será que toda referência linguística aos campos semânticos do negro e do branco tem origem ou está comprometida com a cor da pele das pessoas?
Será que uma sala, uma caverna ou uma rua escuras não são suficientes para despertar a imagem de algo fora do controle? Será que a insegurança provocada pela ausência de luz, para aqueles que são cegos (perdão, deficientes visuais) não é bastante para gerar expressões como "quadro negro"?
O policiamento linguístico, importado da correção política norte-americana, definitivamente chegou ao Brasil chato e insosso.
O português (a língua, digo) corre o risco de não poder mais dizer coisas como "a situação está feia", "o amor é cego" ou o "resultado é capenga".
A hipocrisia verbal dos antigos eufemismos à la "pessoa de cor" ou "moça de vida fácil" ganha novo repertório, mais moderninho, mas não menos velhaco.
*
Decidi colocar meu e-mail no pé da coluna. Um pouco para parecer moderno, um pouco para saber se alguém leria e responderia.
Recebi mensagens, mais do que as que pude responder. Mas o que essa mente pouco ágil não percebeu foi o óbvio: o endereço é uma porta aberta para o assédio de divulgadores de eventos -que aliás, não fazem mais do que seu papel. Mas será que dá para manter o endereço eletrônico fora disso, meus amigos?
*
Por falar nisso, tenho notado que a coisa está evoluindo. Outro dia, minha amiga Kiki, que adora circular pelas salas virtuais para conversas abertas pelo Universo Online, resolveu entrar naquela destinada a brasileiros no exterior.
Teclou, clicou e começou a transformar-se -não sei se para o bem ou para o mal. Sei é que na tela de Kiki pude ver que esses brazucas que habitam terras estrangeiras -mas não apenas eles- estão enchendo as salas de fotos pornô.
Certamente uma outra discussão norte-americana em breve chegará ao Brasil: a Internet deve sofrer algum tipo de restrição ou censura?
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