São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 1996 |
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Sobre Aids e drogas
VICENTE AMATO NETO; JACYR PASTERNAK VICENTE AMATO NETOJACYR PASTERNAK A réplica a nosso artigo sobre drogas e Aids, pela professora Maria Cristina Brites, em 2/5/96, permite algumas ponderações. 1) Alguns assuntos são polêmicos e a discussão é bem-vinda. O debate, no entanto, deve ater-se a fatos e opiniões exaradas. A professora Maria Cristina coloca como nossa conjectura que consideramos mulheres e crianças com Aids mais dignas de compaixão, sem reconhecer direitos a usuários de drogas, que não teriam legitimidade econômica e política. Não é verdade: todos os que são vítimas de uma doença sofrem igualmente e não existem hierarquias a propósito. Direitos humanos o são pelo simples fato de alguém ser gente, independentemente de crenças, ações, fé ou atividades políticas. 2) Não nos opomos por questões morais, como diz a professora, à distribuição de agulhas e seringas a drogados para diminuir eventualmente a transmissão da doença. Opomo-nos a que se parta para esta metodologia gastando proventos, fazendo concorrências para a compra desses insumos, dando-os para vários tipos de entidades e criando um direito que, para nós, não está na lista dos que citamos acima, qual seja o de receber do governo agulha e seringa quando uma pessoa quer se drogar, desconhecendo realmente qual é a relação custo-benefício da atitude. 3) Nunca alegamos que nada deve ser feito. Alegamos que uso de drogas endovenosamente é complexo e que necessitamos de número suplementar de estudos para compreender esta compulsão. O melhor modelo de adição à droga parece-nos o biológico, para o alcoolismo, e, nesse caso, o ato que compele ao uso tem base genética, pois alcoólatra tem doença de base biológica e não problema moral, ao contrário do que a professora tenta mostrar que afirmamos. Claro que não dá para ficar esperando a compreensão de adição a drogas para tomar providências contra a disseminação da Aids. Desejamos um trabalho bem controlado e viável, no qual gastar-se-ia muito pouco, capaz de provar que em nosso meio, com o abuso de cocaína, isso tem eficácia. Existem várias pesquisas desse tipo efetuadas com usuários de heroína, provando a tese. Por que não fazê-las por aqui? Por que a professora e sua organização não se preparam para tanto, em vez de ficar colocando nas nossas bocas algo que jamais dissemos? 4) O termo autoritarismo médico e de assistentes-sociais, se quisermos extrapolar, refere-se a soluções tecnológicas aparentemente simples para assuntos socialmente intrincados. A professora deve ter lido Ivan Illitch, esperamos, sobre a medicalização da sociedade e é esse tipo de comportamento que queremos ver evitado. Vicente Amato Neto, 67, infectologista, é professor titular e chefe do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo). Jacyr Pasternak, 53, infectologista, é médico-assistente da Divisão de Clínica e Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas da USP. Texto Anterior: A vara etrusca Próximo Texto: Estudo de Lerner defende novo conceito de moradia Índice |
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