São Paulo, terça-feira, 21 de maio de 1996
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Quando baixos custos podem ser risco

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Enquanto em Washington Bill Clinton falava na semana passada sobre responsabilidade empresarial, em Atlanta, no mesmo dia, o presidente da Valujet tentava provar a repórteres que sua empresa não é irresponsável.
Lewis Jordan está certo ao pedir a jornalistas que não se apressem em fazer julgamentos sobre o acidente do vôo 592. Mas o currículo da Valujet permite algumas especulações sobre ela.
A Valujet tem a frota mais antiga dos EUA (a idade média de seus aviões é de 26,4 anos). Nos últimos 11 meses, seis episódios de acidentes sérios, ainda que sem mortes, ocorreram com seus aparelhos.
Apenas na semana passada, quatro de seus vôos foram cancelados por causa de problemas técnicos. O DC-9 destruído há dez dias na Flórida fez sete aterrissagens de emergência e teve três decolagens abortadas em dois anos.
Junte-se a esses dados sobre segurança o fato de que a Valujet oferece ao público as tarifas mais baixas do mercado, e algum tipo de inferência sobre possíveis relações entre preço baixo e risco alto se torna inevitável.
A Valujet é o protótipo da empresa aérea norte-americana após a desregulamentação do setor. Saudada como um marco histórico pelos adeptos da teoria de que a economia não pode ter qualquer ingerência do Estado, a decisão de pôr fim ao controle sobre a aviação civil em 1978 agora é rediscutida.
A desregulamentação se completou em 1985, quando o Departamento de Aviação Civil foi extinto, e as empresas passaram a ter total liberdade para definir tarifas, fusões, frequências de vôo.
O governo continuou responsável pela segurança dos vôos, mas com desempenho tímido, como denuncia a inspetora-geral do Departamento dos Transportes, Mary Fackler Schiavo, que afirma ter medo de voar.
Desde a desregulamentação, milhares de pessoas tiveram acesso a viagens aéreas, e isso é, em princípio, uma coisa boa. Mas as grandes empresas têm tido prejuízos, e muitas delas foram à falência (Pan Am, Braniff, Eastern, entre elas).
O número de acidentes aumentou, mas a proporção entre eles e o número de passageiros e vôos se manteve estável. Portanto, não há base para se afirmar que a desregulamentação teria provocado aumento de acidentes.
Mas pode ser que, com o envelhecimento crescente de toda a frota aérea dos Estados Unidos, ainda se possa chegar a essa conclusão.
Reversão
O governo Clinton já acenou diversas vezes com a possibilidade de reverter, pelo menos em parte, a desregulamentação de 1978, e boa parte da indústria concorda com a idéia.
Os anos do governo de Ronald Reagan consagraram a idéia de que as empresas podem fazer quase tudo, desde que aumentem seus lucros. Os anos Clinton podem promover a idéia de que até o lucro tem seu preço: a responsabilidade social.
O ambiente nos EUA ainda é favorável ao princípio de "quanto menos governo, melhor". Mas há, sem dúvidas, espaço para o que muitos chamam de "contra-ofensiva liberal", especialmente se Clinton for reeleito em novembro.

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