São Paulo, terça-feira, 21 de maio de 1996
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Eldorado da impunidade

LUIZ EDUARDO GREENHALGH; ATON FON FILHO

Autoridades policiais e promotores deixaram de realizar diligências essenciais para a apuração da verdade
LUIZ EDUARDO GREENHALGH
e ATON FON FILHO
O desempenho das autoridades na investigação do massacre de Eldorado do Carajás mostra que o caso tende a se somar à lista de impunidades que acoberta os crimes contra os sem-terra.
Mais uma vez a investigação ficou a cargo de colegas de corporação dos policiais militares criminosos -resultado da lei que determina que crimes cometidos por policiais militares sejam investigados e julgados pela Justiça Militar.
A Justiça Militar do Pará negou a prisão preventiva do coronel Mário Pantoja, comandante do destacamento de Marabá, requerida por um promotor. Após ser desautorizado pelo procurador-geral da Justiça do Pará, que ainda pediu à Justiça que negasse a preventiva, o promotor foi afastado.
O governador do Pará, Almir Gabriel, ordenou a prisão domiciliar de Pantoja. Explorado como indicativo da disposição de punir, esse fato, na verdade, fez com que o IPM tivesse prazo de 20 dias para ser concluído, como manda a lei penal militar, "se o indiciado estiver preso".
Não fosse a intervenção do legista Nelson Massini, enviado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara, até os autos de exames periciais teriam sido distorcidos, dando os sem-terra como mortos em situação de conflito. O laudo de Massini indicou com exatidão os ferimentos sofridos pelos lavradores, caracterizando o fato como execução de pessoas já subjugadas e submetidas à autoridade policial.
Antes do massacre, o major José Maria Oliveira, comandante de Parauapebas, tomou o cuidado de determinar que as armas fossem fornecidas sem qualquer registro. Embora o armamento saído de Marabá tenha sido relacionado (feitas as cautelas, na linguagem militar), esse registro não foi enviado, junto com as armas, a Parauapebas. O advogado do MST, Carlos Amaral Júnior, localizou as cautelas "desaparecidas" entre papéis do coronel Vieira, que presidiu o IPM. As cautelas permitiriam relacionar as armas com os policiais criminosos.
As autoridades policiais e os promotores deixaram de realizar diligências essenciais para a apuração da verdade e a identificação dos autores. Não se fez colheita de material para o necessário exame de verificação de resíduos de pólvora nas mãos dos policiais.
Isso, somado à inexistência das cautelas de Parauapebas, impede, pela prova técnica, determinar quem atirou, fato que se agrava quando o próprio IML do Pará afirma que cerca de 4% das armas apresentadas para exame não teriam sido utilizadas.
Os laudos permitem avaliar que muitos lavradores foram mortos com golpes de foice, enxada e facão, mas não foram recolhidos os fardamentos dos policiais para que se apurasse a existência de vestígios de sangue, indicando os possíveis autores dos crimes pelo exame do tipo sanguíneo.
Se a perícia do local do crime foi recusada, sob pretexto de que já teria sido descaracterizado pelo socorro prestado aos feridos e pela remoção dos mortos -providenciada, aliás, pelos próprios policiais-, a reconstituição do crime foi negada pelo presidente do IPM porque "redundaria em gastos excessivos".
Os peritos judiciais, que não fizeram exames de comprovação de resíduos de pólvora nas mãos dos assassinos, produziram laudos de que as vítimas realizaram disparos de arma de fogo. Embora seja evidente a possibilidade de que os resíduos de pólvora tenham aparecido nas mãos das vítimas posteriormente. Daqui a pouco, é capaz que a culpa da chacina recaia sobre os próprios mortos.
Mais: embora os policiais militares não portassem identificação nas fardas, poderiam ser facilmente reconhecidos. Os advogados do MST lutaram pela requisição dos prontuários dos policiais para a elaboração de álbum fotográfico que possibilitasse o reconhecimento. Em vão. Nem acareações, nem reconhecimento.
Fica claro que, permanecendo em mãos da PM a condução das investigações e da Justiça Militar paraense a competência para julgamento dos envolvidos no massacre de Eldorado, fatalmente permanecerão impunes os criminosos e se aprofundará a descrença na Justiça e na possibilidade de solução democrática dos conflitos.

Luiz Eduardo Greenhalgh, 48, é coordenador jurídico do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e membro do diretório nacional do PT. Foi vice-prefeito de São Paulo (administração Luiza Erundina).
Aton Fon Filho, 48, é advogado do MST.

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