São Paulo, terça-feira, 21 de maio de 1996
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Uma via democrática para a reeleição

SILVIO TORRES

Para podermos reivindicar o estatuto de cidadãos de espírito democrático devemos começar por libertar-nos de qualquer sentimento de estranheza em relação às tomadas de decisões políticas com base em consultas diretas ao eleitorado. Esse tipo de consulta não só tem uma relação imediata com o conceito de democracia e com a idéia de governo do povo como é largamente praticado em países dotados de regimes democráticos estáveis e eficientes.
A Suíça e os Estados Unidos -principalmente- são dois exemplos em que a população tanto pode ser chamada a manifestar-se sobre a legislação produzida pelos órgãos representativos como, em muitos casos, os eleitores podem ter a iniciativa de propor e aprovar leis. Talvez não seja um mero acaso que ambos apresentem regimes políticos de estabilidade quase sem paralelo no mundo.
A Constituição brasileira prevê, no seu artigo 14, o uso da iniciativa popular, do referendo e do plebiscito como formas de exercício direto da soberania popular. Com base nesse dispositivo, apresentei ao Congresso Nacional um projeto de decreto legislativo, que recebeu o nº 249/96, propondo uma consulta plebiscitária à população a respeito da possibilidade de se permitir ao presidente da República, aos governadores de Estado e do Distrito Federal e aos prefeitos um segundo mandato consecutivo. A consulta teria lugar em conjunto com as eleições municipais de 3 de outubro de 1996; ou seja, praticamente não haveria custo adicional para realizá-la.
O plebiscito proposto constitui uma oportunidade histórica de decidir definitivamente sobre a necessidade de mandatos mais extensos para os detentores de cargos eletivos de governo, embora submetendo-os à aprovação popular no meio do percurso. Por outro lado, a proposta permite uma primeira aproximação aos mecanismos da democracia direta. Dificilmente se poderia pensar em questão mais adequada para tal objetivo; uma questão atraente para o eleitorado nacional, cuja decisão se pode traduzir facilmente em um sim ou um não.
Ademais, tem o mérito de dar, em igualdade de condições aos que são a favor ou contra a reeleição, a oportunidade de levar suas posições à grande maioria do eleitorado, sempre participativo nos pleitos municipais.
Um obstáculo formal, embora relevante, tem impedido o recurso ao plebiscito no Brasil. A Constituição determina que esse instrumento de consulta e decisão popular seja utilizado "nos termos da lei". O projeto de lei que regulamenta o dispositivo constitucional ainda não foi aprovado. A interpretação dominante na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, da Câmara dos Deputados, vem sendo a de que há necessidade de aprovação da lei para que o recurso ao plebiscito seja viabilizado.
Penso que tal interpretação deve ser analisada com mais detalhamento. Trata-se de uma questão de aplicabilidade da norma constitucional, pois, caso se venha a demonstrar que a aplicação de um recurso previsto na Lei Fundamental é factível, não se deve eliminá-lo pela mera inexistência de regulamentação legal. Não se pode, portanto, afastar a hipótese de plebiscito com base na ausência de regulamentação, a menos que a análise de conteúdo do projeto que o propõe demonstre que tal plebiscito exige a regulamentação para se tornar um instrumento seguro de tomada de decisões.
No caso do plebiscito por mim proposto, estou convencido de que todas as condições para a sua realização estão presentes. Trata-se de uma questão de fácil formulação e entendimento, existe a possibilidade de se usar os recursos da Justiça Eleitoral, preparados para a eleição de 3 de outubro, e tive o cuidado de dar à consulta caráter não-vinculativo. Não existe o risco de se criar uma situação indefinida ou de insegurança jurídica.
O Congresso Nacional, no uso de sua competência exclusiva, prevista no inciso XV do artigo 49 da Constituição Federal, pode perfeitamente aprovar um projeto de decreto legislativo convocando plebiscito consultivo sobre a conveniência de se permitir a reeleição dos detentores de cargos executivos. Essa decisão só reforçará a democracia no Brasil, inclusive por coibir possíveis arranjos clientelistas para dificultar a aprovação de medidas com ampla aceitação popular.

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