São Paulo, sexta-feira, 24 de maio de 1996
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Protesto japonês

CELSO PINTO

O governo japonês mandou, terça-feira, uma comunicação ao governo brasileiro - o que os diplomatas chamam de "non note" -, reclamando, em termos duros, do regime automotriz, que protege o setor automobilístico.
Se o Brasil simplesmente reeditar a Medida Provisória que criou o regime automotriz, e que vence este final de semana, sem acenar com qualquer conversa mais séria, o Japão poderá entrar com uma reclamação formal contra o Brasil, já na próxima semana, na Organização Mundial de Comércio (OMC).
O governo brasileiro está se mexendo, mas nem todo ele na mesma direção. O regime foi criado pela ex-ministra da Indústria e do Comércio, Dorothea Werneck, com o firme apoio do ministro do Planejamento, José Serra. O Itamaraty sempre olhou a medida com reservas, porque as proteções que ela introduz ferem claramente as regras da OMC, recém assinadas pelo Brasil.
O novo ministro da Indústria, Francisco Dornelles, tem emitido sinais de que o melhor é bancar o regime, com ou sem reclamações na OMC, tentando explorar espaços nas relações bilaterais para evitar o pior. Já o Itamaraty tem feito o que seu papel exige: conversar e tentar a melhor solução.
A briga na OMC teve duas etapas. De início, o Brasil optou por tentar um pedido de "waiver" na OMC, ou seja, de abrir uma exceção para a aceitação do regime, por razões específicas.
Recentemente, o Brasil desistiu do pedido. A razão: houve sinais claríssimos de que o Brasil perderia. O Japão sempre se posicionou claramente contra. Quando a Comunidade Européia deixou claro que tampouco poderia apoiar o Brasil, a batalha estava perdida.
O fato é que o Brasil acabou sendo um primeiro caso de teste da seriedade de propósitos da OMC e, como tal, criou resistências que vão além do simples cálculo dos méritos econômicos da medida.
Retirado o "waiver", criou-se um vácuo. O que os japoneses querem é que o Brasil diga, claramente, que está, pelo menos, estudando alguma alteração na MP que atenda às reclamações dos seus parceiros. Há sinais de que, se o Brasil acenar com alguma flexibilidade na discussão, pode-se ganhar tempo sem que haja a abertura de uma reclamação formal na OMC.
São dois os pontos mais complicados da MP. Um deles é o que permite que as empresas que estejam no programa possam importar veículos com uma alíquota de 32% e não 70%. O outro é que trata-se de um regime que cria incentivos à exportação: há, por exemplo, uma redução substancial (para 2%) das tarifas de importação de insumos, desde que haja compromisso de exportação.
É fácil entender porque o Japão tem sido o mais estridente nas reclamações. Os japoneses não têm nenhuma montadora instalada no País. A Honda tem acenado com a possibilidade de investimentos, mas não concretizou nada, até agora, em função das incertezas sobre o futuro do regime automotriz.
A outra razão é que o Japão é, de longe, o maior exportador mundial de automóveis. Tinha, em 93, uma fatia de 32% das exportações mundiais de autoveículos. O segundo maior exportador, a Alemanha, tinha 14%, menos da metade, seguida pela França, com 12,6% e Canadá, com 11%.
A alegação dos japoneses é que o regime brasileiro cria privilégios para as montadoras já instaladas importarem seus veículos, tornando a concorrência muito mais difícil para as exportações japonesas.
A OMC, sucessora do antigo Gatt, está longe de ser um convento de freiras. Suas regras, contudo, foram aceitas por consenso. Elas tornam muito mais rápido o exame de reclamações, como a que poderá atingir o Brasil. Um cálculo, em Brasília, é que um processo possa demorar apenas de 6 a 8 meses.
O Brasil, sem bons argumentos para defender a substância de sua política, gostaria de ganhar um tempo suficiente para tornar o regime automotriz um fato consumado. Digamos, uns 2 anos.
Para isso, contudo, parece haver um custo inevitável: ceder alguns anéis da MP para preservar os dedos. Nem todas as áreas do governo parecem prontas para aceitar esta idéia.

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