São Paulo, sexta-feira, 24 de maio de 1996
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Os bons tempos voltaram

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Para uma geração de cariocas, na qual me incluo, nosso primeiro demônio coletivo, nosso inimigo preferencial, a besta negra culpada de todos os nossos males era o Polvo Canadense, mais uma metáfora do que um apelido da Light & Power. Do candidato a vereador ao pretendente à Presidência da República, todos malhavam o Polvo Canadense.
Amava-se e odiava-se a velha sede na rua Larga, em sóbrio estilo inglês, ainda um dos prédios mais bonitos da cidade. Lá dentro, quando se ia pagar uma conta, vivia-se um clima não de Primeiro Mundo, mas de único mundo. Ao contrário das outras repartições da época, ali tudo funcionava. Os empregados usavam aquela pala verde na testa, protegendo os olhos das luzes que brilhavam mais e melhor.
Misturando ódio e admiração, o carioca pagava a sua conta, olhava o enorme saguão, limpo, esterilizado, cheirando vagamente a chá, e rosnava de dentes cerrados: "Imperialistas!" Para piorar, os melhores ônibus da cidade eram da Light, inclusive aqueles, majestosos, de dois andares, que eram chamados de "chope duplo" e que ainda existem em Londres, só que pintados de vermelho. No Rio, eram cinzas, cor de colônia. Os assentos eram forrados com casimira inglesa -um luxo e um calor suplementar.
Apesar de tantas maravilhas, o Polvo Canadense deixou de investir no principal. Ali pelo governo Dutra (1946-1950), a principal atividade da Light era pedir que poupássemos energia e luz. Havia racionamento diário, tive de comprar um lampião complicado para poder continuar a tradução do "Memorial de Santa Helena" -meu primeiro e natimorto projeto literário.
Carmem Miranda cantava na marchinha de Assis Valente: "Lá no morro já se usa a luz da Light!". O noivo de nossa empregada era motorneiro da Light, usava terno de casimira azul-marinho, colete. Foi dele que pela primeira vez ouvi a expressão: "All right!".

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