São Paulo, sexta-feira, 24 de maio de 1996
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Uma pesquisa, nada mais

JOSÉ SARNEY

O que é uma pesquisa de opinião? Uma aferição, em determinado momento, do que pensa o povo. Quando surgiram as pesquisas de forma científica, em 1945, eram mais a satisfação de uma curiosidade do que um instrumento de tomadas de decisões.
Os efeitos das pesquisas na política tiveram, contudo, um alvo muito mais sério do que no marketing consumista. É que elas mexeram com uma coisa sagrada da democracia representativa: a legitimidade.
Esta, no regime democrático, era assegurada pelas eleições, feitas periodicamente, investindo as pessoas em mandatos, representantes da soberania popular e, em nome dela, falando e agindo.
O que aconteceu? Hoje, há um novo interlocutor da sociedade democrática que pode ser aferido dia-a-dia: a opinião pública. E ocorre que a pesquisa expressa essa opinião, atingindo a legitimidade dos que governam. Se a opinião pública está de um lado e eles de outro, há perda de legitimidade. Problemas que surgem na democracia representativa.
Quem primeiro expressou, e cinicamente, esse lado diabólico das pesquisas foi o caudilho espanhol Franco: "Não faço eleições porque faço pesquisas. Se elas dizem que o povo está comigo, não preciso de eleição". E assim governou 50 anos.
A velocidade das comunicações levou as eleições e os programas partidários a envelhecer. O voto da gratidão é uma carta que vive um tempo de rosa de Malherbe, "o espaço de uma manhã". As aspirações da sociedade são sempre novas e mais.
Exemplos clássicos: Churchill ganhou a guerra; os ingleses queriam trabalhar, esqueceram a paz. Adenauer, o homem que venceu a maior inflação da história, foi batido nas urnas: os alemães tinham moeda estável, mas queriam melhores oportunidades de vida etc. Adolfo Suárez faz a transição espanhola: ganha o ostracismo. A democracia já era uma etapa ultrapassada.
Uma pesquisa não é uma tragédia. A desgraça é ter leitura errada de seus recados. Nenhum governante teve pesquisas sempre ascendentes. O mais frequente é o "dente de serra", como dizem os estatísticos: baixa e sobe, e vice-versa.
Realmente, o presidente Fernando Henrique Cardoso não conseguirá jamais ser devedor faltoso de suas decisões. Tem que pagar preços por decisões, algumas duras. O caminho de um estadista não é o mesmo de um cantor pop: aplausos em festival de verão. Não há propaganda que esconda a verdade.
Temos um exemplo trágico que foi o tempo do presidente Goulart. Ele dizia que "sem as reformas" não podia governar. As reformas eram o bode expiatório e seu algoz, o Congresso.
Nenhum presidente deve perturbar-se. Problemas sociais existem e problemas administrativos desafiam o governo. As políticas de estabilização têm altos custos políticos e sociais. Os países ricos e alguns economistas dizem que isso é normal. A globalização do modelo que eles recitaram causa danos em todos os países.
Dosar o remédio, eis a fórmula. Não seguir de olhos fechados as aberturas selvagens. A quem não tem emprego, é impossível convencer de que está empregado.

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