São Paulo, sábado, 25 de maio de 1996
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Interrogando a distância

LUIZ FLÁVIO GOMES

Na Folha de 18/5 (pág. 3-2), meu eminente colega Dyrceu Cintra, fincado no sentido garantista do processo penal (disso, aliás, nunca podemos prescindir), posicionou-se contra o interrogatório a distância, feito por computadores.
Foi pensando não em comodidade ou em assepsia, mas, fundamentalmente, em cumprir o que estabelece o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (oitiva imediata do preso por juiz), bem como na indigna e desumana situação criada pela "burocracia" em São Paulo (que impossibilita, na capital, a apresentação do preso em menos de dez dias úteis), que tomamos a iniciativa do chamado "interrogatório a distância" (on line), que pode ser realizado, conforme as circunstâncias, em 24 horas (impondo-se citação prévia).
Evita-se o envio de ofícios, de requisições, de precatórias, economiza-se tempo, papel, serviço etc. Pode-se ouvir uma pessoa em qualquer ponto do país sem necessidade do seu deslocamento. Eliminam-se riscos, seja para o preso (que pode ser atacado quando transportado), seja para a sociedade. Previnem-se acidentes. Evitam-se fugas. O transporte do preso envolve gastos com combustível, uso de veículos, escolta, muitas vezes gasto de dinheiro para o transporte etc. O sistema do interrogatório a distância evita todos esses gastos. Favorece a ressocialização do preso e representa economia incalculável para o erário público, assim como mais policiais nas ruas, mais segurança pública. Considerando que cada "modem" custa cerca de R$ 200, a relação custo-benefício é vantajosa para a Justiça e para a sociedade.
A empresa Taisei, que dá suporte técnico para a experiência, em breve terá condições de possibilitar a realização de audiência com recursos audiovisuais. No atual estágio, no entanto, para a validade do interrogatório, é imprescindível a presença de um funcionário da Justiça no local em que se encontra o acusado, que deve ser sala especial, para sua identificação, qualificação, leitura de tudo em voz alta, registro, fiscalização da publicidade, da não-interferência etc. Tudo é feito na indispensável presença de um advogado, que com ele se entrevista antes.
Pelo sistema concretizado, o juiz não vê o rosto (nem expressões corporais) de quem está sendo interrogado. Mas isso já ocorre com muita frequência, seja quando esse ato é feito por precatória, seja quando é o tribunal que condena o acusado. Não vigora entre nós a identidade física do juiz. Com isso, o que sentencia, muitas vezes, não é o que interroga. As expressões corporais são suscetíveis de interpretações diversas. Não ver o rosto do acusado não pode jamais significar perda de sensibilidade do juiz. Nem redução das garantias fundamentais. Ao acusado deve-se dar a oportunidade, no interrogatório, de apresentar sua defesa da forma mais ampla possível. O sistema on line faculta essa defesa. Tudo que é dito é registrado. Não prejudica a qualidade da prova.
Na Polícia Civil de São Paulo, por iniciativa do delegado geral Castro Machado, o interrogatório a distância acaba de ser introduzido. A Justiça não pode ser a única a continuar de olhos vendados para a informática.

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