São Paulo, sábado, 25 de maio de 1996
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Arlequim e seus amos

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Cada vez mais frequentes, os desabafos presidenciais revelam a crise de um arlequim que aceitou trabalhar para dois senhores. Um deles está cobrando, com progressivo entusiasmo, as promessas de saúde, educação, segurança -nem lembro mais os cinco dedos que foram exibidos na mais dispendiosa e sofisticada campanha eleitoral de nossa história.
Como o arlequim da peça famosa, ele também prometeu servir a outro senhor, o qual pode ser esquematicamente representado pelas elites dominantes na sociedade brasileira desde 1500, substituindo-se o português pela globalização.
Confiante em sua habilidade, vaidoso de sua retórica, o presidente achava que podia ir levando, empurrando de barriga os problemas indefinidamente ou, na pior das hipóteses, até a reeleição. Não estava em seus cálculos o espetáculo da semana passada, quando Brasília recebeu quase 3.000 empresários que exigiam uma coisa que ele também prometera e ainda não deu.
Pior: FHC usou da tribuna, fez apelos e queixas. Como qualquer ditadorzinho, está demonizando a imprensa e o Congresso, culpando jornalistas e deputados pelas dificuldades em conciliar o inconciliável. Antes de existir a figura e a função de arlequim, já o evangelho advertia que não se pode servir a dois senhores.
Com a sua leviandade, arlequim acredita que pode dar a volta por cima. Mas está cada vez mais difícil servir prioritariamente a empresários, banqueiros falidos e especuladores internacionais ao mesmo tempo em que pede à dona Ruth que cuide de cestas solidárias para os famintos.
Ainda está longe o momento de verdade. Os recentes desabafos do presidente mostram que ele começa a sentir que o Brasil não é tão fácil de governar como pensava. O arlequim esfuziante está se transformando num pierrô banhado de lágrimas.

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