São Paulo, segunda-feira, 27 de maio de 1996 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Museu aberto
CELENE FONSECA; JOSÉ AUGUSTO SAMPAIO CELENE FONSECAe JOSÉ AUGUSTO SAMPAIO A expressão "Museu Aberto" nos leva imediatamente a pensar em algo de novo e inusitado. No entanto, se nos detivermos na análise da proposta, nós veremos que de inédito (no Brasil) só existe o nome -assim mesmo, completamente equivocado. Alguns já perceberam que estamos a falar do chamado "Museu Aberto do Descobrimento", uma iniciativa da ONG Fundação Quadrilátero que recebeu o apoio do presidente da República, no último 22 de abril, em Porto Seguro. O país chorava seus mortos -de Eldorado do Carajás-, e por isso, talvez não tenha percebido a verdadeira dimensão do ato. Na verdade, trata-se de um projeto arcaico, de fatura colonial. Tenta-se repetir, uma enésima vez, o velho discurso lusocêntrico que vê o Brasil como uma extensão do mundo luso e, claro, europeu. No caso presente, o Brasil aparece como produto da história "mística" de Portugal. A filosofia do projeto aparece refletida nos equipamentos culturais que se pretende construir. Há um superdimensionamento da importante história de Portugal e uma minimização das presenças indígena e africana. Além disso, banaliza-se a própria idéia de museu e memorial e a história do Brasil é tratada em temas estanques: há cerca de seis ou sete museus e memoriais, afora os marcos e monumentos. Apesar de ainda ter grande audiência, a visão de um Brasil monoliticamente português é errônea e não corresponde à realidade. Ela menospreza parte essencial da história dos antepassados da maioria dos brasileiros. Basta verificar que nossas favelas não estão cheias de portuguezinhos -nem em termos do fenótipo, nem culturalmente falando. É preciso, portanto, romper com esse descompasso entre o discurso sobre o Brasil e a realidade. Abolindo a visão eurocêntrica, centrando o Brasil sobre si mesmo, estaremos ao mesmo tempo, inserindo-o no contexto global da história humana e nos posicionando como interlocutores à parte inteira no cenário mundial. Urge, portanto, que historiadores e antropólogos tracem os critérios para essas comemorações e, em assim fazendo, conclamem o povo a impedir a concretização de um projeto tão absurdo. Aldeneiva Celene de Almeida Fonseca, 40, antropóloga, é doutoranda da École des Hautes Études em Sciences Sociales (Paris). José Augusto Laranjeiras Sampaio, 39, antropólogo, é professor da UNEB (Universidade do Estado da Bahia) e membro do conselho diretor da Associação Brasileira de Antropologia. Texto Anterior: Não + não = a sim? Próximo Texto: Hosmany diz que vai integrar o IRA Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |