São Paulo, segunda-feira, 27 de maio de 1996
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Cidades e mudança social

JORGE WILHEIM

Cidades têm tido má reputação na imprensa e mesmo em muitos trabalhos acadêmicos: são caracterizadas por sua violência, sua poluição, seus congestionamentos, seus meninos de rua, suas exclusões sociais etc. Raramente lembramos que cidades também são o lugar de convívio em que tudo se encontra: mercado, idéias, pessoas. Historicamente centros de criatividade e de liberdade, as cidades sempre refletiram culturalmente o estágio em que se encontra uma sociedade.
Contudo é inegável que a responsabilidade pelos malefícios e pelos benefícios trazidos à humanidade por cidades cabe às sociedades que as ocupam. E, se hoje temos tantas mazelas a lamentar, é porque as sociedades estão exacerbando exclusões e acelerando processos ao mesmo tempo em que mergulham num período de transição, penoso porém rico em saídas.
As cidades refletem a situação: o desemprego estrutural decorrente de alterações no modo de produzir se torna visível; as carências financeiras dos governos de países com boa legislação de amparo social deixam ao relento famílias migrantes; o enfraquecimento ideológico e efetivo do poder governamental abre brechas para a atuação criminal, e as tensões sociais transformam a vida urbana, pois todos se enclausuram temendo o espaço público. A migração de capitais dos bancos centrais e privados para a fluidez do mercado de capitais deixa exangues os cofres destinados a obras públicas.
Contudo a cidade também nos revela os germens de soluções. É nelas que se estabelecem parcerias entre prefeitura e organizações não-governamentais ou entre estas ou entre cidadãos de um bairro e instituições universitárias para resolver um problema tópico.
É também a nível local que empresas privadas, transnacionais ou não, se juntarão com organizações para empreender projetos sociais, revelando a possibilidade do financiamento de cidades resultar de uma nova composição de recursos financeiros, gerando instituições que serão públicas, porém não estatais.
A necessidade de encontrar novas formas de governar uma megacidade levará a se tentar redesenhar a instituição metropolitana e criar uma associação de interesses entre prefeituras conurbadas. E a possibilidade técnica de multiplicar as consultas populares levará a novas formas de representação política. Finalmente, a crescente conexão entre cidades do mundo todo, as redes de intercâmbio de experiências e práticas urbanas, dará crescente agilidade às prefeituras.
Esse papel da cidade está refletido no processo preparatório para a conferência de Istambul. Conseguiu-se o compromisso dos governos nacionais de integrarem seus comitês nacionais com representantes das cidades. O secretariado da conferência tem trabalhado estreitamente com as associações internacionais que congregam autoridades locais (Iula, UTO, Metropolis, Summit e outras), levando-as a convocar uma assembléia mundial de autoridades locais, a realizar-se em Istambul, na véspera da conferência das Nações Unidas.
Creio que a Habitat 2, a conferência de Istambul, resultará em alterações na cooperação internacional entre cidades e para com cidades, de todo tamanho. As Nações Unidas deverão rever e ampliar o mandato do seu Centro para os Assentamentos Humanos (Habitat); as associações deverão se reestruturar para melhor participar de certas decisões no que tange à cooperação internacional; a catalogação das boas práticas urbanas e o monitoramento global do processo de urbanização, região por região, permitirão a cada cidade ganhar com a experiência alheia.
E, na medida em que governos nacionais implementarem seus compromissos de curto prazo, constantes dos relatórios levados para a conferência, políticas urbanas nacionais serão elaboradas ou revistas, dando às cidades um papel preponderante no desenvolvimento de cada país.

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