São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 1996
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Fim de conversa

JANIO DE FREITAS

A modificação que acontece no governo, com a saída de José Serra, é bem maior do que o previsto fim das divergências entre os ministros do Planejamento e da Fazenda. O principal papel que Serra desempenhou no governo não decorreu de concepções técnicas, mas de condições pessoais, não podendo ser continuadas por seu sucessor.
Só dois ministros, Sérgio Motta e Serra, discutiram assuntos administrativos e políticos com Fernando Henrique, até esta altura do governo, sem qualquer cerimônia ou cuidado para evitar choques mais fortes de opinião. Não há indício de que a intimidade de Motta tenha resultado, algum dia, em algo não confundível com as chamadas jogadas, qualquer que fosse a natureza delas.
No ministério, Serra tornou-se identificado como representante dos interesses industriais predominantes na economia paulista. Mas nunca lhe foi negada uma capacitação técnica que o conceituou como parlamentar e lhe deu sempre, no longo convívio com Fernando Henrique, a condição de interlocutor privilegiado. Ressalve-se, em todo caso, que ouvidos abertos nada têm a ver com oferta de afeto.
Serra chegou ao governo contra a vontade de Fernando Henrique, o que ficou notório com a necessidade de uma operação de pressões pesadas, desenvolvida por empresários graúdos de São Paulo, para incluí-lo no ministério à última hora. A meta da operação era a Fazenda, mas a solução foi desalojar Paulo Renato de Souza, que durante meses se preparara para o Planejamento e acabou na Educação.
Apesar do início de mútua contrariedade, que durante meses levou Fernando Henrique a comprazer-se com alfinetadas públicas em Serra, os enguiços em que o governo foi se envolvendo restabeleceram os termos antigos da relação. Nos últimos meses, Serra estava até permanecendo em Brasília durante boa parte do sábado, para que Fernando Henrique e ele pudessem conversar por mais tempo e sem interrupções.
Este papel o sucessor de Serra não poderá fazer. E, nas circunstâncias atuais, em que o presidente e o governo se mostram aturdidos com as próprias dificuldades, para as quais só lhes ocorre criar mais e mais propaganda, o papel de interlocutor privilegiado talvez seja o mais necessário junto Fernando Henrique. Não porque traga as soluções, mas porque a conversa sem cerimônia ou cuidados é o que pode, se alguma coisa pode, desobstruir a visão e a audição de Fernando Henrique. Enquanto o descontrole e o descrédito não são avassaladores.

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