São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 1996
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Doentes renais e Caruaru

MARCOS LUNA

O cotidiano brasileiro continua transbordando fatos e fotos extraordinários até para quem já conhece a sua recorrente ligação com o surrealismo. Dessa vez foi a área da saúde o cenário de uma efeméride trágica. No interior do Brasil, Caruaru, numa clínica de hemodiálise, um "acidente" causou a morte de cinco dezenas de doentes renais crônicos.
Em nosso país, os doentes renais crônicos são milhares. Cerca de 25 mil realizam três sessões de hemodiálise semanais nos 500 programas de tratamento de doentes renais crônicos. Por ano, são praticadas 3,5 milhões de sessões, gerando custos de R$ 400 milhões. Se incluirmos as intercorrências hospitalares, medicações e os recursos para os programas de transplante renal, a cifra ultrapassará os R$ 550 milhões.
Nos transplantes com doador-cadáver, os gastos são mais elevados nos três primeiros anos, comparados com a hemodiálise. A partir daí, além da melhor qualidade de vida, as vantagens são também econômicas.
Cresce a cada ano o "pool" de indivíduos com doenças renais crônicas. Os especialistas antevêem a necessidade de novos programas de tratamento para o renal e a monitoração dos existentes e credenciados pelo Ministério da Saúde e pelo SUS.
Por meio de uma portaria previamente discutida, o governo deverá exigir que os serviços de hemodiálise equipem suas unidades com máquinas modernas e eficientes; padronizem o reuso (entre 4 e 8) dos filtros e acessórios; (re) estabeleçam o mínimo de quatro horas por sessão, três vezes por semana; mantenham um "staff" de médicos e enfermagem especializados; avaliem a estação de tratamento de água; analisem a concentração de uréia antes e após as sessões; definam com critérios preestabelecidos os pacientes.
O governo deverá admitir que o padrão de remuneração não pode se distanciar tanto do "primeiro mundo". Nos EUA, o sistema de saúde paga US$ 200 por sessão; aqui, o SUS paga R$ 70, incluindo as despesas com material descartável e honorários médicos.
As taxas de mortalidade média anual nos serviços de hemodiálise no Brasil é variável entre 24% e 34%; nos EUA, entre 16% e 24%; na Europa e Japão, abaixo de 12%. Nesse aspecto, o transplante a cada dia alarga a sobrevida do paciente e do enxerto. Nos países ricos, alguns doentes cumprem seu programa de hemodiálise em casa, o que deverá ser adotado aqui.
Nesses tempos de tensão, em que a sociedade sofre com a desatenção à saúde, o fatídico episódio de Caruaru pode ser a gota d'água para que o governo, pressionado pelas circunstâncias políticas da repercussão, priorize a saúde e reforme o sistema atual, excludente, ineficaz e injusto.

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