São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 1996
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"A crônica matou a prosa brasileira"

MARCELO REZENDE
DA REDAÇÃO

Décio Pignatari passa hoje apenas dez dias, dos 30 de um mês, na cidade. Depois de se aposentar das funções de professor, se dedica a tatear o mundo com seus trabalhos individuais.
Pignatari acredita ainda na existência de espaço para os grupos, ("Acho que há trabalhos para um grupo, por necessidade. Os jovens querem trabalhar em grupo. Acredito que haverá cooperação em uma ilha computacional"), mas sua obra agora é fruto do recolhimento, da necessidade de afastamento. Uma solidão que não o impede de se excitar, ou se irritar, com a cena cultural brasileira.
Sua peça "A Morte de Marcial" - que ainda escreve- é, em certa medida, o desejo de responder questões sobre o país:
"Já há alguns anos tenho a idéia de uma peça de teatro. O tema é a porta de entrada de meu romance, tema que vai me ocupar estes anos todos e que se chama Brasil. É um pouco essa idéia. Estou caminhando para isso. E é para trabalhar rápido. Para escrevê-la, me voltei a Eugene O'Neill, que foi decisivo para a formação de Nelson Rodrigues. Nelson é, para mim, uma mistura de Freud, Dostoievski e delegacia do Méier".
Cultura pós-nacionalista
O Brasil em que se debruça é o lugar que tenta se ajustar à idéia da própria inexistência de nação. A "Cultura Brasileira Pós-nacionalista", que será o título de um des seus próximos projetos.
Um "pequeno livro de ensaios grandes", em que Pignatari procura pensar sobre o que seria uma cultura pós-nacionalista.
Sobre o concretismo, e a sua contribuição para esse novo momento da cultura, Pignatari prefere conter seu discurso.
"O movimento concretista cumpriu um certo tipo de coisa que tinha de cumprir. Uma certa atuação seminal. Hoje não me importa se faço ou não poesia concreta. Não é preciso mais ter um discurso de defesa do movimento, como tínhamos antes. Tudo está pronto e publicado. O importante é saber se isso ajudou a melhorar as coisas. Infelizmente não, devido ao patrulhamento nacionalista e esquerdofrênico brasileiro."
Um patrulhamento que, segundo ele, permitiu que a cultura brasileira se encontrasse "neste atual estado".
"Creio que os valores sociopolíticos nos quais se acreditava se mostraram obsoletos. Eram as idéias do marxismo mais atrasadas do partidão. E o mundo estava prestes a mudar completamente. De repente, todo aquele mundo desabou e eles ficaram todos perdidos. Desde o Darci Ribeiro, o Chico Buarque... todos os valores que eles acreditavam desabaram e eles não tinham outros. Eram valores pobres. Nós nunca tivemos grandes ideólogos. Escritores e políticos então..."
Busca da qualidade
O espaço para o balanço, mais uma vez, não é ocupado pelas memórias do grupo concretista ("As grandes revoluções já foram feitas. O que se busca é a qualidade dentro dessas coisas. Não abrir caminhos, mas procurar a qualidade nos caminhos abertos").
Mas, antes, se dirige a sua trajetória pessoal. E ao desejo de produzir um trabalho em um campo que, aos seus olhos, mortos. Vítima do desejo pelo best-seller e da estética da crônica.
"Eu perdi tanto tempo... Eu não tornaria a fazer tudo. Agora quero escrever meu romance. O Brasil não tem mais escritores. Só cronista. A crônica matou a prosa brasileira. Todo mundo quer ser best-seller, todo mundo escreve crônica. Mas best-sellers são necessários. Há níveis de excelência em diversas categorias. Como escola de samba. Umberto Eco enriqueceu escrevendo isso -ele só visitava a gente quando era pobre. Acho que tem que haver também esse tipo de literatura. Passar a vida inteira falando de James Joyce para a namorada não é possível. Perde a namorada e fica com o Joyce".

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