São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 1996
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Maria

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Hoje é o último dia de maio, mês dedicado ao culto (não à adoração) de Maria. Agnóstico, acreditando cada vez menos em Deus e na vida futura, devo justamente à perda da fé a minha ligação cada vez maior com os seres humanos, iguais a mim e a todos nós, que por isso ou aquilo cumpriram uma trajetória inexplicável na terra.
Lenda ou realidade, a história daquela menina-moça, de 15 ou 16 anos, camponesa ou pastora que ficou prenhe de um Deus, seria uma ficção além da capacidade humana.
Na fabulação do cristianismo, sobretudo depois da necessidade de transmitir a boa nova aos povos enraizados no politeísmo, a figura de Maria, com a sua carnalidade, sua assombrosa aventura no imaginário do homem, foi um elo que facilitou a conversão dos gentios. Não haveria gênio literário capaz de criar uma lenda com elementos tão delicados e, ao mesmo tempo, tão extraordinários. A menina-moça, virgem que permaneceria virgem através do tempo, perdida na pobreza de uma Galiléia rude, foi erguida a protagonista de um auto pastoril cuja beleza varou os séculos.
A seu lado, também magnífico em sua missão, o carpinteiro José, que mereceu dos evangelhistas um único adjetivo: era um homem justo. Mais tarde, seria consagrado como "custos pudice virginis". Queiramos ou não, tenhamos a fé ou a não-fé do agrado ou da conveniência de cada um, a história de Maria e José é a mais bela e comovente de todas as histórias de amor que empolgam a mente humana.
Neste último dia de maio, um maio tão bonito e tão azul, com a luz das tardes dourando a Lagoa, eu recordo a emoção dos maios antigos, junto à gruta que padre Cipriano fizera com umas pedras que ele roubara de uma obra ao lado do seminário.
E, quando brilhava a primeira estrela no céu de maio, como era bonito o hino que cantávamos em gregoriano: "Ave maris stella Dei Mater alma...".

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