São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 1996
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O pássaro e a gaiola

JOSÉ SARNEY

Há alguns anos, um tema econômico era ardente tema político: o mercado interno. O termômetro de um governo, se ele andava mais à direita ou à esquerda, era sua visão sobre o mercado interno. A esquerda via este como prioridade. Já a direita, o mercado externo.
Hoje, esse debate sumiu. Estive agora num longo fórum em Vancouver, no Canadá, a discutir problemas do mundo atual. Um dos temas frequentes na agenda eram as consequências da globalização.
Foi quando Giscard d'Estaing levantou uma pergunta intrigante: afinal, o que vem a ser a globalização?
De minha parte, considerei que a globalização nada mais era do que, com a velocidade das comunicações, um mercado financeiro globalizado. Circula, atualmente, 24 horas, a "bomba financeira", especulativa, girando de bolsa a bolsa, sem pátria nem território, uma quantia que é superior 20 vezes à economia real.
Desse montante, cerca de US$ 7 trilhões, sete, em eurodólares e ienes, sem se saber exatamente onde está o seu controle. Isso é a globalização. Fora as comunicações e a parte financeira, nada mais existe que aponte nessa direção.
Agora, uma contradição que nos oferece uma visão diferente é a imposição de uma política global de livre mercado, uma circulação de capitais sem fronteiras, que favorece de maneira chocante os países ricos que ficam mais ricos, enquanto os países pobres ou economias emergentes se desnacionalizam, aumentam o desemprego, entram em recessão e dela somente saem depois de ter entregue sua economia a esse capital que vive aqui e acolá em busca de remuneração mais alta.
Uma política interna de juros altos é um atrativo formidável. Leio que há uma grande procura de compra de companhias nacionais de pequeno e de médio porte, sem falar nas grandes e na desestatização que propicia volumes altos de inversão. Li numa pesquisa que as 25 maiores companhias chilenas, de chilenas eram somente duas.
E o mercado interno, onde anda nessa história? Ora, bem sabemos que o mercado de exportação, tão falado e visível, nos Estados Unidos, a maior economia do mundo, corresponde apenas a 10% do seu PIB. No Brasil, esses números baixam para 8%.
Não há dúvida que o vigor de um país está no seu mercado interno. O perigo passa a ocorrer quando ele é controlado por companhias globais, que mandam royalties e dividendos para suprir a "bomba financeira".
Vamos vendo que em vez de um mundo cada vez mais globalizado, a globalização vai formando um mundo cada vez mais dividido. Um mundo de alta tecnologia, de rendas per capita altas, de excelente qualidade de vida, e outro dependente do sistema financeiro internacional.
Não podemos assim receber como prato pronto, enlatadas, as fórmulas que nos propõem, "a abertura selvagem", como uma exigência dos novos tempos, da modernidade.
Moderno, hoje, para os pensadores do mundo inteiro, é a análise da globalização, que tem encapsulada, dentro dela, uma política de deixar o passarinho solto, mas ser proprietário da gaiola.

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