São Paulo, sábado, 1 de junho de 1996
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Crise do Poder Judiciário também atinge a França

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A Justiça é lenta. As decisões judiciais são difíceis de executar. Os meios processuais são inadequados. O pessoal não é bem treinado. As estruturas são insuficientes etc.
O diagnóstico, traçado no livro "Le Temps des Juges", do advogado Patrick Devedjian, revela que a crise do Judiciário não é privilégio do Brasil. Existe também na França -com os mesmos sintomas.
O livro de Devedjian, que também é deputado e prefeito de Antony, cidade ao sul de Paris, foi lançado pela editora Flammarion.
O autor diz que a organização judiciária é arcaica e que o Executivo só se interessou pelo Judiciário na medida de suas necessidades, abandonando-o à decrepitude.
Mas, para ele, há uma revolução em curso. Pela primeira vez desde a Revolução Francesa, afirma, os magistrados estão ficando independentes, julgando também os poderosos.
Modelo legalista
Começa a ser questionado o modelo legalista surgido no final do século 18 e que perdura até agora. Surge a necessidade de democratizar e modernizar o Judiciário.
"A independência dos juízes é fundamental para a democratização do Judiciário. E ela não depende de lei, mas da consciência do juiz quanto ao seu papel", avalia Álvaro Lazzarini, desembargador do Tribunal de Justiça de SP.
Mas, se em São Paulo isso já acontece, há dúvidas quanto à independência dos juízes frente às oligarquias que dominam as regiões mais pobres do país.
"Ao mesmo tempo, prevalece entre juízes a visão tecnicista de quem foi formado para lidar com o conflito individual, despolitizado, e não com o conflito coletivo", diz o juiz Dyrceu Cintra.
Um grande número de conflitos hoje são coletivos ou difusos -por exemplo, o reajuste das prestações da casa própria ou das mensalidades escolares.
"Nesses casos é preciso dar uma solução coletiva, igual para todas as pessoas que têm o mesmo problema. As ações individuais congestionam o Judiciário e propiciam decisões diferentes e até conflitantes entre si", afirma o juiz Urbano Ruiz, presidente da Associação Juízes para a Democracia.
Para Ruiz, a reforma do Judiciário passa pelo amplo uso da ação civil pública. "Um processo só resolve o problema de todos. Economiza tempo e dinheiro. Mas a jurisprudência dominante não tem admitido esse instrumento", diz.
Ruiz vê, basicamente, dois problemas na atitude tradicional dos juízes. Primeiro, ele lembra que os juízes procuram diminuir sua responsabilidade, alegando que as leis são feitas pelo legislador e que a eles cabe apenas aplicá-las.
Segundo, usam o volume de trabalho para justificar a aplicação repetida e mecânica da doutrina.
"Essa prática não permite avanços e mantém as coisas exatamente como estão. Não se pode continuar entendendo que o juiz deve ser apolítico, neutro, distante da realidade social, quando tais assertivas não têm mais sentido no momento histórico em que vivemos."

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