São Paulo, sábado, 1 de junho de 1996
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Leary viajou do ácido à realidade virtual

ANTONIO RISÉRIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O velho Leary se foi. A última coisa sua que li foi "Flashbacks", panorama faiscante da viagem contracultural. Uma conjuntura de contestação e experimentação integrais no mundo.
Minha geração, sob as botas e fuzis da ditadura militar, batalhando migalhas de informação. A chamada grande imprensa impôs uma espécie de cordão sanitário, de cerco informacional ao assunto.
Mas, apesar de tudo, aquela foi, também para nós, uma época intensa. E Timothy Leary, como Abbie Hoffman e outros, foi um dos mitos da minha adolescência. A geração criada, no Brasil, sob o signo de Guevara e da Tropicália.
A importância daquele momento é óbvia para mim. Foi naquela preamar neo-romântica que mergulhamos em coisas como o orientalismo, o feminismo, os discos voadores, a ecologia, o pansexualismo, o pacifismo, a transformação "here and now" do mundo.
Em suma, com a contracultura é que pintaram as primeiras florações de diversos temas que ainda hoje mobilizam as nossas energias. E Leary, saindo de Harvard para o redemoinho da rua, profeta do LSD como instrumento para a criação de uma nova lógica e uma nova sensibilidade, foi um dos signos mais fortes desse período.
Mais recentemente, reencontro a figura de Leary em outra viagem que me interessa profundamente: computador e realidade virtual. Ok, estamos de novo no mesmo barco. Na mesma nave. E aviso aos navegantes que não há nada de paradoxal na passagem da contracultura ao mundo "high tech".
Muitíssimo pelo contrário: bem no seu início, houve fortes relações entre uma coisa e outra. É claro que a contracultura investiu de todos os modos contra a racionalidade tecnicista; contra o que na época chamávamos "Complexo Industrial-Militar". Mas não só.
Para quem não sabe, em meio à salada californiana daquela época, alguns contraculturalistas passaram a ver, no computador, a maravilha revolucionária. Benjamin Woolley reconta a história em seu "Virtual Worlds".
Começou aí a luta para quebrar o monopólio da IBM no campo da computação. E deu certo. Foi uma vitória do "underground". E foi nesse contexto contestador, eivado de utopismo contracultural, que o jovem Ted Nelson escreveu seu livro "Computer Lib" -e os jovens Jobs e Wozniak construíram o "Apple", o modelo por excelência do computador pessoal.
Daí que o filósofo Pierre Lévy possa dizer que o "personal computer" é um filho da "nebulosa underground" do final da década de 60: uma espécie de desvio contracultural de alta tecnologia.
Psicodelismo e computador. Não é de estranhar que alguns viajantes contraculturais dos "estados alterados de consciência" tenham chegado depois ao movimento da realidade virtual.
Entre as estrelas do movimento, Jaron Lanier e Timothy Leary, que fora caçado e preso por conta de suas experiências alucinógenas. Leary, movendo-se sempre sob o signo da inquietude, via uma continuidade óbvia entre as antigas viagens de ácido e o novo lance da realidade virtual.
Bem, agora que ele partiu para outra "virtual reality" -para o além, por dentro das estrelas-, o que posso desejar é que a sua inquietude nunca nos abandone.

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