São Paulo, sábado, 1 de junho de 1996 |
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O turista acidental
RICARDO SEITENFUS Imagens de uma imensa comitiva presidencial sempre causam espécie. Porém sua mais importante característica não é o número de componentes e sim o quanto será proveitosa para o Estado a presença de tais figuras, além da certeza de que pagarão suas próprias contas.Durante a recente viagem do presidente Fernando Henrique Cardoso à Europa, assistir aos movimentos do séquito presidencial provocou um sentimento de anacronismo. O desenvolvimento dos meios de comunicação da atualidade oportunizam contatos que em muito poderiam reduzir as onerosas viagens ao exterior, dificultando a tese da necessidade. As comitivas lembram um estilo monárquico já ultrapassado. Há a ostentação, que não mais impressiona o visitado. E a bajulação explícita, que nada tem do propalado modernismo desejado pelo presidente. Ao contrário, a atitude das comitivas é, por vezes, provinciana e digna de uma republiqueta, seja pela reduzida agenda de suas atividades, seja pelo volume de compras que retorna do exterior. Vista pelos que integram a comitiva, a viagem é uma oportunidade para que privem de uma proximidade com o presidente da qual jamais desfrutariam no próprio país. Vista pelo presidente, é uma forma de ungir publicamente aqueles que lhe são mais caros. Quando pagas pelo Estado, contudo, as viagens são também um modo de presentear-lhes diretamente. E aqui, não o número, mas a identidade do séquito interessa sobremaneira. Por que estão nele apenas representantes de empresários e dos altos escalões do Estado? Infelizmente, Fernando Henrique continua tentando convencer o cidadão brasileiro de que a solução para os nossos problemas virá do exterior e o investidor estrangeiro de que nossos problemas são pouco significativos. Seguindo essa lógica, multiplica seus deslocamentos ao exterior e comanda uma orgia de diárias e viagens que envolve cerca de meio bilhão de dólares a cada ano. Como consequência de uma necessidade e do interesse do Estado, a composição da comitiva poderá ser maior ou menor. Importa é avaliar se a tecnologia das comunicações que aproximou o mundo e a urgente separação entre o público e o privado ainda não alcançaram o pretensamente moderno Planalto Central. Ricardo Antônio Silva Seitenfus, 48, doutor em relações internacionais pelo Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais da Universidade de Genebra, é professor titular de relações internacionais da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (RS). Texto Anterior: A austeridade para os outros Próximo Texto: Estrutura de apoio fundamental Índice |
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