São Paulo, segunda-feira, 3 de junho de 1996
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América Latina nação

DARCY RIBEIRO

O grande sonho de Simón Bolívar era criar a nação latino-americana que integraria os hispano-americanos com os luso-americanos, como um bloco equivalente à América Saxônica. Por isso é que nunca aceitou ser coroado imperador ou se fazer governante de uma das várias províncias que libertou. Achava um grave erro fracionar o que estivera unido sob o Império Espanhol.
Era prematuro. A América Hispânica se balcanizou em quantidade de nações correspondentes a cada importante núcleo urbano espanhol, com nomes inventados fantasiosamente, tais como: Bolívia, Equador, Argentina ou Colômbia.
Nós escapamos do fracionamento, apesar das regiões altamente diferenciadas, graças à legitimidade do poder real português e também à extrema habilidade política da classe dominante que d. João 6º trouxe para o Brasil. Levantes separatistas espocaram por toda a parte, mas a habilidade do Exército Imperial, brigando com canhões, mas também com patentes de general e com promessas de anistia, pacificou a todos, mantendo-os dentro da unidade nacional.
Passados os tempos, volta à atualidade histórica o ideal de Bolívar. Aí está o primeiro grande passo unitário que é o Mercosul. Atuando com a força dos motores da economia, ele vai forjar uma Comunidade Latino-Americana, tal como se forjou a Comunidade Européia. Quatro países, o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai já começaram a levantar suas aduanas e querem continuar levantando ainda mais, pelas vantagens que alcançam no intercâmbio comercial alargado.
O mundo inteiro olha para o Mercosul, que constitui já um mercado de mais de 100 milhões de ricos consumidores e que representa uma enorme oferta de produtos de exportação e uma imensa fome de bens e de serviços. Investimentos estrangeiros começam a fluir também com promessas de elevar a produtividade e a competitividade do Mercosul.
Sintoma veemente do nascimento da nação latino-americana foi a criação do Memorial da América Latina. Quando eu trabalhava com Oscar Niemeyer para inventá-lo, a pedido do governador Quércia, sentia bem a importância da iniciativa, só comparável e mais importante do que o Ibirapuera, que Oscar plasmara no quarto centenário de São Paulo. Mas, ao contrário do Ibirapuera das bienais voltado para a Europa, o Memorial volvia-se sobre o nosso continente, posto entre dois oceanos, com uma cara para a Ásia e outra para a África e a Europa, com uma população de 500 milhões. O Memorial queria, essencialmente, afirmar a unidade cultural e a fraternidade étnica do Brasil com a América Hispânica, muito mais homogêneas em seu ser e em seus desígnios do que a Comunidade Européia.
Passo maior ainda, foi a criação do Parlamento Latino-Americano dentro do Memorial, através de um ato de extrema sabedoria e astúcia diplomática dos paulistas. Ele representará, nas próximas décadas, o que o Parlamento Europeu representa para a Comunidade Européia e fará de São Paulo a futura capital da nação latino-americana.

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