São Paulo, segunda-feira, 3 de junho de 1996
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A solução falsa

ORLANDO SILVA JUNIOR

Reportagem publicada nesta Folha no dia 5/5 tem o mérito de levantar o que já pode ser considerado uma vergonha nacional: o caos instalado na educação brasileira. No entanto, a solução apontada, tanto por "técnicos" da área como pelo economista e ganhador do Prêmio Nobel, é falsa e simplista. A tese de que a cobrança de mensalidades nas universidades faria "sobrar" dinheiro para a educação básica se baseia em alicerces facilmente destrutíveis por uma avaliação mais isenta.
Primeiro afirma-se que o problema central seria a distribuição das verbas e a eficácia na sua aplicação, e não o montante destinado à educação. O governo brasileiro gasta vergonhosamente pouco com o desenvolvimento do ensino. O país ocupa, segundo a Unesco, vergonhosa 80ª posição na tabela que compara os gastos com educação no mundo. Com nossos míseros 3,76%, ficamos atrás de países como Moçambique, Suriname, Congo, Gâmbia e Ruanda ("Anuário Estatístico da Unesco", 1994).
Desprezando dados tão alarmantes, o governo Fernando Henrique tem diminuído os gastos com educação. Segundo divulgou recentemente esta Folha, o atual governo investiu em 95 menos 35,22% em relação a 94, durante o governo do seu antecessor (dados do Siafi -Sistema Integrado de Administração Financeira do Tesouro Nacional).
Sem investimento social não há como garantir um ensino universal de boa qualidade, mesmo com uma distribuição mais equânime e transparente. É relevante o dado citado pelo economista Gary Becker: os Estados Unidos gastam US$ 4.000 por aluno ao ano, enquanto o Brasil pretende chegar a US$ 300, o que em algumas cidades significa diminuição de verbas.
O segundo argumento sustenta que o governo federal gasta demais com as universidades públicas, o que impediria a prioridade para o ensino fundamental. A Constituição brasileira determina que Estados e municípios são responsáveis pelo ensino de 1º e 2º graus e que, para isso, devem destinar 25% do seu orçamento para esse fim. Esse preceito se baseia no justo princípio de que deve existir um sistema nacional de educação, integrado e com responsabilidades definidas para os diversos níveis de poder. Ao governo federal cabe o financiamento do ensino superior, dos projetos de erradicação do analfabetismo.
Esses dois argumentos sustentam a solução apontada na reportagem -elimine-se o ensino superior gratuito, considerado "aberração". Há uma tentativa de privatizar as universidades públicas brasileiras, com a busca da comercialização do ensino, da pesquisa e dos serviços universitários. Essa solução, apresentada como "nova" e "moderna", é bem antiga.
De certa forma ela teve seu auge durante o regime militar, que iniciou um processo, que prossegue até hoje, de sucateamento das universidades públicas e de liberação para abertura de cursos universitários particulares, que fez com que hoje 70% dos estudantes universitários tenham que pagar (caro) para receber ensino de qualidade duvidosa em instituições que não produzem pesquisa e não prestam qualquer serviço. Essa solução não serviu para que se ampliasse ou melhorasse o ensino fundamental no país.
As universidades públicas são responsáveis por 90% de toda a pesquisa aqui produzida, têm centenas de laboratórios e 45 hospitais universitários, que prestam preciosos serviços à população carente brasileira. Quando se comparam os gastos das universidades federais (52 instituições recebem R$ 5 bilhões para manter toda essa estrutura) com as cifras destinadas a cobrir rombos dos bancos (cerca de R$ 6 bilhões para o Banco Nacional, R$ 4,5 bilhões para o Banco Econômico), tem-se a exata medida da "prioridade" dispensada pelo governo à educação.
Transformar as universidades em instituições privadas significa que todas as pesquisas desenvolvidas e os serviços prestados numa instituição que foi construída com recursos públicos seriam apropriados de forma privada. A universidade perde aí uma característica fundamental para o país -o retorno social, o paradigma da solidariedade, do caráter público da educação para todos. A manutenção do ensino superior gratuito e sua ampliação com abertura de cursos noturnos nas universidades públicas, que pode democratizar em muito o acesso a ele, são precondições para uma universidade comprometida em reverter para a sociedade o custo social que representa.

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