São Paulo, terça-feira, 4 de junho de 1996
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Mundo roda seu novo filme de 5ª categoria

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Um militar israelense, cotado para ministro da Defesa do recém-eleito governo direitista de Israel, sai por aí dizendo, em close e som estéreo, que "os árabes deveriam ser colocados numa garrafa, como baratas".
Parece haver uma torcida muda pelo advento da guerra. Há décadas, Israel e Estados Unidos vêm criando cobras. Agora, eleito Binyamin Netanyahu, elas saem da toca, espalhando veneno pelo mundo. O jovem assassino do premiê Yitzhak Rabin é uma dessas cobras, criadas, ademais, à imagem e semelhança da tradicional mania americana de assassinar líderes políticos.
Imprensados nos territórios ocupados, palestinos injustiçados pela geopolítica do mundo armam intifadas decisivas, os novos camicases do Oriente, os homens-bombas do terror.
Bocejamos diante do filme de quinta. Estamos distantes disso, já não somos sequer considerados Ocidente. Segundo Samuel Huntington, professor e cientista político de Harvard, o mundo se divide hoje nas seguintes civilizações: ocidental (americana e européia), confuciana, japonesa, islâmica, hindu, eslavo-ortodoxa, latino-americana e africana.
Economicamente no terceiro mundo, o Brasil já não é, geográfica e culturalmente, parte do Ocidente. Aumenta nossa sensação de isolamento, de sermos um nada diante dos povos que decidem os destinos geopolíticos dos povos.
Talvez tenha sido essa a mesma sensação de um sobrinho meu de 7 anos que, ao refletir sobre seu futuro, numa viagem de carro comigo, disse: "Quando eu tiver 10 anos, vou estar na 4ª série. Quando tiver 18, vou para o Exército, mas não vou para a guerra, porque o Brasil é um país vagabundo, que ninguém quer."
Impressionou-me o tom resignado na voz infantil. Perguntei se ele achava bom ir para a guerra. Disse que não, mas insistiu: "Só que ninguém quer o Brasil. O Brasil não significa nada. Só é bom em uma coisa, em futebol", concluiu, ele que levava na bagagem sua venerada bola de futebol.
Ainda argumentei, dizendo que o mundo queria, sim, a Amazônia. Mas era muito cedo para aulas de patriotismo. Além disso, eu dirigia o carro -e desconfiava da minha vontade de defender o território e o espírito pacífico dos brasileiros. O menino dormiu o resto da viagem. Acordou vomitando sem motivo aparente -devia ser o estômago pesado de imagens do Brasil.

E-mailmfelinto@folha.com.br

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