São Paulo, terça-feira, 4 de junho de 1996
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Europa quer união política com Mercosul

HUMBERTO SACCOMANDI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Itália quer uma associação econômica e política entre a União Européia (UE) e o Mercosul. É o que diz, em entrevista exclusiva à Folha, o chanceler e ex-premiê italiano Lamberto Dini.
Já há negociações sobre cooperação econômica, mas a possibilidade de integração política pode revolucionar as relações entre os dois blocos. A Itália ocupa a presidência da UE até o final deste mês.
Dini não especifica suas propostas, mas elas necessariamente implicariam o atrelamento de instituições brasileiras a organismos supranacionais.
Para que isso aconteça, porém, é preciso antes que o Mercosul defina as suas metas de integração política. Esse assunto está na pauta da reunião de cúpula prevista para o próximo dia 22, em Buenos Aires.
Dini é uma das figuras centrais da política italiana. Economista, ele ganhou fama pela austeridade de sua gestão na Banca d'Italia (banco central italiano).
Em 1994, foi nomeado ministro das Finanças pelo então premiê Silvio Berlusconi, de centro-direita. No início de 95, com a queda de Berlusconi, Dini formou um governo "técnico", apoiado pelos partidos de centro-esquerda.
Realizou importantes reformas constitucionais, como a da Previdência, com objetivo de conter o enorme déficit público italiano.
Dini e seu partido (Renovação Italiana) foram importantes na vitória eleitoral de abril da coalizão de centro-esquerda liderada pelos ex-comunistas, que levou ao poder o atual premiê, Romano Prodi.
Na entrevista por fax, Dini evitou responder perguntas ligadas à situação política e econômica interna da Itália, que não seriam de competência de seu ministério.
Hoje será comemorado em Brasília os 50 anos da república na Itália, em 2 de junho. A celebração em São Paulo prevê uma mostra do artista italiano Alberto Burri (1915-95), promovida pelo Instituto Italiano de Cultura.
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Folha - O desemprego reacendeu na Europa o problema da imigração. A UE pretende adotar novas medidas contra a imigração?
Lamberto Dini - A estratégia que a Itália e a Europa perseguem mira o desenvolvimento das economias dos países de onde provêm os principais fluxos migratórios.
Já instauramos na Albânia, nos países da ex-Iugoslávia e da margem sul do Mediterrâneo várias formas de assistência. Isso deve ajudar a modificar a situação econômica daqueles países, que é a principal causa da imigração.
Folha - O Tratado de Maastricht, de união européia, vem sendo muito criticado. Quais metas, como a moeda única, parecem inalcançáveis no prazo estipulado?
Dini - Os parâmetros fixados por Maastricht para a passagem à moeda única são intocáveis. Não é possível mudá-los senão por meio de uma nova negociação, o que recolocaria em discussão todo o tratado. A Itália iniciou o saneamento da sua economia, num esforço para sanear as finanças e reduzir o déficit público atual nos limites previstos por Maastricht.
Veremos na primavera de 1998 que países cumprirão os critérios fixados. Claro que, se formos obrigados a escolher entre o adiamento ou a modificação dos critérios de convergência, creio que todos preferiremos não diluir os parâmetros acertados.
Folha - Quais são as suas prioridades nas relações com o Brasil?
Dini - No quadro das excelentes relações políticas entre Itália e Brasil, pretendemos sobretudo intensificar as relações comerciais. O Brasil é o maior parceiro comercial da Itália na América Latina. O comércio está crescendo e as exportações italianas registraram um boom no último ano.
Como presidente da UE, a Itália contribuiu ao recente desenvolvimento das relações entre a Europa e o Mercosul. Temos consciência de que estamos ainda no início do processo e desejamos que se possa logo trabalhar no ambicioso projeto de associação política e econômica entre a UE e o Mercosul.
Folha - A Itália fez 50 anos de república. Quais os méritos desse período e os próximos desafios?
Dini - O aniversário representa um momento de balanço e de propostas. O balanço, apesar das dificuldades dos últimos anos, não pode deixar de ser positivo.
Derrotada na Segunda Guerra Mundial, a Itália mostrou nas últimos décadas uma capacidade enorme. A reconstrução do pós-guerra e o sucessivo crescimento econômico e social, a consolidação da democracia, as decisões de política exterior pela integração européia e pela aliança atlântica tornaram um país, que em 1946 era ainda agrícola, a quinta potência econômica mundial.
O aniversário coincide com a posse do novo governo. Os desafios que nos esperam são mais complexos que os do passado.
O saneamento econômico e as reformas institucionais devem permitir que a Itália participe plenamente das próximas etapas da integração européia, e deve confirmar seu papel no cenário internacional, que se modificou muito nos últimos anos, graças também à emergência de importantes protagonistas, como o Brasil.
Folha - O sr. acredita que a Itália caminhe para um período de maior estabilidade de governo?
Dini - Os resultados eleitorais de abril passado consentem uma maior estabilidade na política italiana. Ninguém pode fazer previsões, mas creio que este governo terá tempo para atuar o seu amplo programa de saneamento econômico, de renovação e reformas.
Folha - O Brasil é um esconderijo para mafiosos italianos. O que a Itália espera do governo brasileiro na luta contra a Máfia?
Dini - Apreciamos a colaboração existente com as autoridades brasileiras. O papel cada vez mais ativo no território brasileiro das organizações criminosas que operam no contrabando de droga, na lavagem de dinheiro, e o número crescente de prisões efetuadas pelas autoridades brasileiras são elementos que tornaram oportuna uma intensificação da colaboração ítalo-brasileira na área penal.
Na verdade, nos últimos dois anos, a Itália é o país que, proporcionalmente, obteve o maior número de extradições do Brasil, quase todas por atividades mafiosas ou tráfico de drogas.
Folha - Que mensagem o sr. quer enviar aos brasileiros, especialmente aos de origem italiana?
Dini - A Itália vive atualmente um momento de grandes mudanças, numa conjuntura internacional complexa e numa época de desafios trabalhosos e rápidas transformações. A colaboração daqueles, como os ítalo-brasileiros, que souberam construir no exterior uma grande patrimônio de conhecimento e experiência só poderá encorajar o nosso trabalho.
O governo continuará a dedicar aos italianos no mundo a máxima atenção, com o empenho de responder, nos modos e com os instrumentos apropriados, às suas legítimas expectativas e exigências.
Quero sublinhar a importância que o governo atribui ao voto no exterior, ao desenvolvimento da informação e à difusão da língua e da cultura italiana no exterior, e à melhoria na qualidade dos serviços, que será perseguida através de uma progressiva racionalização da rede consular.
Nesse contexto, gostaria de lembrar aos ítalo-brasileiros a importância do recente acordo entre a Prefeitura de São Paulo e o Consulado Geral da Itália para o ensino facultativo do italiano nas escolas municipais. Esse acordo poderá abrir estrada para convênios similares com outras cidades do Estado de São Paulo e de Estados do Brasil onde for forte a presença de descendentes de italianos.

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