São Paulo, terça-feira, 4 de junho de 1996
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ASSOPRA E MORDE

Da "equipe econômica" do lançamento do Real quase nada sobrou.
Mas, apesar do entra e sai de pessoas, as linhas gerais do plano continuaram inalteradas. A entrevista dada a esta Folha pelo diretor de Política Monetária do Banco Central, Francisco Lopes, publicada no domingo, é mais uma declaração de compromisso com a estabilização.
Uma observação mais atenta da realidade, entretanto, mostra que, apesar do discurso da continuidade, ocorreram muitas mudanças, nem sempre voluntárias.
Além do desemprego preocupante, da tormenta bancária, da crise agrícola e do bloqueios às reformas, o plano deu margem a uma gradual adaptação no regime cambial.
Do câmbio valorizado passou-se às bandas com juros elevadíssimos e, finalmente, aos minideslizamentos de banda com juros declinantes. Houve também ajustes fortes de tarifas públicas e mudanças drásticas nas tarifas de importação, uma reforma de impostos e o uso do BNDES como hospital dos Estados.
Apesar dessas mudanças relevantes, o economista do BC apenas reafirma sua convicção de que nada decisivo mudou ou mudará. Convicção que parece ainda mais solene recolocada agora, após a saída do crítico ministro do Planejamento, José Serra. E que pode ser resumida numa idéia central: o país pode até crescer moderadamente, mas trata-se, nas palavras de Lopes, de um "teste empírico". Se der errado, puxa-se o breque com a violência necessária.
O discurso, típico de autoridade monetária, só pode ser esse. Mas o estilo e o alcance da política econômica há meses desmentem essa serenidade. Na prática houve reavaliações e a dose de arrocho é fruto também de cálculos políticos, com destaque para a meta de reeleger FHC.
Infelizmente, o governo trabalha ainda na base do "stop and go", um "assopra e morde" que evita desastres no curto prazo, mas constrói muito pouco para o longo prazo -inclusive em matéria de confiança.

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