São Paulo, terça-feira, 4 de junho de 1996
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Rebotalho

LUIZ CAVERSAN

Rio de Janeiro - Coisa sem valor, restos inúteis, refugo, migalha são palavras que segundo o dicionário significam rebotalho. E todas elas servem perfeitamente para designar uma categoria da população, tão grande e representativa quanto esquecida, humilhada, relegada, que é a dos idosos deste país.
Nas culturas primitivas os velhos imprestáveis -não produziam, passaram a ser apenas peso incômodo- eram abandonados no frio ou em lugares ermos para morrer e deixar de atrapalhar a sobrevivência do resto da tribo.
A tribo moderna, urbana, age da mesma forma: deixa seus velhos à míngua, para morrerem longe e sem causar culpa.
Por falar em culpa: quem tem mais responsabilidade pela morte de dezenas de idosos na clínica dos horrores do Rio? Os médicos e enfermeiros ou os próprios familiares que ali abandonaram seus "entes queridos" para que caminhassem em direção à "paz eterna"?
Esse escândalo das mortes na clínica tem seu lado pedagógico: expõe cruamente a maneira como a sociedade trata aqueles que já queimaram seus cartuchos, que não produzem mais, que deram tudo e ficaram sem nada.
São mandados para a clínica unicamente para morrer -afinal, a tal clínica é para "idosos terminais".
Se assim não fosse, certamente as condições desumanas em que vivem e são tratados teriam mudado por força da pressão dos parentes preocupados com o bem-estar dos seus ascendentes.
Denúncias seriam feitas, um movimento pela dignidade dos idosos maltratados estaria em curso.
Afinal, todos nós estamos permanentemente preocupados com aqueles que nos criaram, deram vida e ensinaram a viver, certo?
Não, para a maioria das pessoas eles são apenas o rebotalho da sociedade. Que morram logo, então.

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