São Paulo, terça-feira, 4 de junho de 1996
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Brasil barato, elites caras

TARSO GENRO; JOSÉ A. FIALHO ALONSO

O governo federal vem reduzindo a capacidade de compra das populações de renda baixa e média
TARSO GENRO e JOSÉ A. FIALHO ALONSO
A discussão do chamado "custo Brasil" tornou-se um grande embuste das elites brasileiras -espelhadas nas suas irmãs gêmeas de todo o mundo- para acobertar a crise do Estado que construíram e o processo perverso de distribuição de renda no país.
Esse debate é acompanhado de dois grandes movimentos aparentemente desvinculados: de uma parte, a liquidação da capacidade pública de financiar um desenvolvimento equilibrado com políticas sociais eficazes e, de outro, a transferência brutal da renda socialmente gerada para o setor financeiro privado e para os especuladores domésticos e internacionais, por meio do crescente aumento da dívida do Estado.
Quanto ao mundo do trabalho, pelo crescimento da prestação informal de serviços e do trabalho intermitente, o capital apropriou-se do aumento da produtividade gerada pela modernização tecnológica. No período 1991/95, a produtividade industrial (produção física/hora) cresceu entre 22,36% e 184,04%, enquanto os salários cresceram numa proporção muito menor. Além disso, o governo federal, em vez de gerar empregos por meio de investimentos públicos, socializar os postos de trabalho e regular socialmente o mercado, pela sua política econômica vem reduzindo a capacidade de compra das populações de renda baixa e média.
Enquanto na Suíça "a rentabilidade das instituições bancárias é de 4% em relação ao patrimônio líquido", no Brasil esta é de 13% (Clóvis Rossi, Folha, 12/5/96), o que é revelador do verdadeiro "custo Brasil" que as elites silenciam, cúmplices que são do projeto econômico em curso.
É persistente a cruzada neoliberal contra aquele que querem tornar o único vilão da crise: o Estado. Prossegue o debate em torno do tamanho e dos determinantes do gasto público, em meio ao gigantesco déficit orçamentário/financeiro e à falta de transparência sobre as finanças do país. O gasto com o funcionalismo -apontado como o principal responsável pelo déficit-, segundo a Seplan, respondeu por 19% do total em 91/93, subindo apenas para 20,3% em 1995 (Folha, 11/2/96, págs. 2-6 e 2-7). Na Previdência, os gastos caíram de 31,3% para 30,6% e as transferências para Estados e municípios diminuíram de 20,2% para 18,4%. O dispêndio com a rolagem da dívida, entretanto, passou de 11,6% para 14,4% (dados ainda subestimados).
Uma das bases de sustentação da tese do Estado mínimo é o suposto excesso de funcionários públicos existentes no país. Na verdade, os cerca de 7 milhões de servidores públicos do Brasil representam em torno de 10% da População Economicamente Ativa do país -inferior a qualquer país europeu (de 15% a 37%) e também aos EUA (20%) ("O Estado de S.Paulo", 14/12/95, pág. A-2).
A carga tributária no Brasil é relativamente baixa e acentuadamente regressiva (aqui o capital é taxado em apenas 8%, contra 38% nos países da OCDE, e os rendimentos do trabalho pagam mais do que o dobro: 19%). Em 1995, a mesma deve ter alcançado em torno de 30% do PIB, enquanto no Canadá, no Reino Unido e na Alemanha as respectivas cargas tributárias atingem a marca de 34,8%, 35,9% e 38,1%. Há ainda aqueles que ultrapassam os 45%, como a Suécia e a Dinamarca.
Os grandes industriais e banqueiros, nessa sua cruzada de "preocupação" com o Brasil e com a sustentação do "pacto modernizador" do presidente FHC, voltam-se, evidentemente, contra o elo mais fraco: os trabalhadores assalariados, os pequenos e médios empresários e demais setores produtivos, além da classe média, cuja ampla maioria percebe um salário indigno, embora haja uma pequena casta de privilegiados, que é apresentada como se fosse o espelho de todas essas categorias de trabalhadores.
O "custo Brasil", na verdade, é muito barato. O que é caro no país é o lucro do capital financeiro, a dívida externa contraída para projetos megalômanos (muitos deles até hoje inacabados, sem retorno para a sociedade que os paga), os salários privilegiados de pequenas elites da burocracia estatal e o socorro a bancos ineficientes, nem sempre geridos com honestidade.

Tarso Genro, 49, advogado, é prefeito de Porto Alegre (RS). Foi deputado federal pelo PT do Rio Grande do Sul (1989-90). É autor de "Na Contramão da Pré-História" (1993) e "Utopia Possível" (1994).

José Antonio Fialho Alonso, 52, é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (RS).

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