São Paulo, sexta-feira, 7 de junho de 1996
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Brasil desconhece números da pobreza, diz Ruth

GILBERTO DIMENSTEIN; MAURICIO STYCER

GILBERTO DIMENSTEIN
MAURICIO STYCER
enviados especiais a Istambul A questão social brasileira é incompreensível e incompreendida. O governo não entende as ONGs, as ONGs não entendem o governo, e o país não conhece os verdadeiros números da pobreza.
É a opinião de Ruth Cardoso, primeira-dama do país, que está em Istambul chefiando a delegação brasileira na Habitat 2.
Para ela, apesar das "pancadas" que recebe por sua posição no governo, o trabalho vale a pena. Abaixo, trechos de entrevista concedida à Folha ontem à tarde:
Folha - Resolver os problemas sociais é uma questão de vontade?
Ruth Cardoso - Não. É uma questão de mobilização e de adequada colocação dos problemas. Uma das lições importantíssimas daqui, em Istambul, são as experiências bem-sucedidas. Fiquei encantada que uma das experiências premiadas fosse brasileira.

Folha - Qual é a dificuldade de projetos como esse serem difundidos e implementados?
Ruth - O tipo de atuação das ONGs tem a sua escala própria. A crítica que recebem é: "É um lindo trabalho, mas só atende cem meninos". No Brasil, houve uma mentalidade na qual, para chamar a atenção para os problemas, a gente precisava dar a eles uma dimensão que deixava tudo grande demais.
Folha - Tem muito exagero?
Ruth - As coisas grandes demais, em vez de animar, desanimam. Por exemplo: não são 32 milhões de pessoas passando fome. Mas se forem mil pessoas já é suficiente para exigir uma ação.
Folha - Podia dar mais algum exemplo de exagero?
Ruth - O Ministério do Trabalho foi ao Mato Grosso e constatou que o número de crianças nas carvoarias é muito menor do que o denunciado. A gente precisa fazer uma crítica séria desse diabo desses números. Se eu digo que não são 32 milhões de miseráveis no Brasil, cai todo mundo em cima de mim, achando que estou querendo negar que existe fome no Brasil.
Folha - Há conflito com as ONGs?
Ruth - Elas têm medo de ser cooptadas, porque faz parte da lógica e daquilo que é definido como autonomia pelas ONGs. Por outro lado, a burocracia governamental tem medo de perder o controle. Há uma resistência mútua, porque são duas culturas diferentes.
Folha - Por que Betinho saiu? Dificuldade do governo de trabalhar com a sociedade civil?
Ruth - A saída do Betinho se deu num processo de discussão interna do Comunidade Solidária que eu até hoje sinto como de grande vitalidade.
Folha - A sra. gostaria que ele voltasse ao conselho?
Ruth - Certamente.
Folha - O que a sra. aprendeu com o Comunidade Solidária?
Ruth - É difícil passar a idéia da parceria e a idéia de que a escala pequena resulta numa escala maior. Qual é a pergunta que tenho que responder sempre? "Está atendendo quantos? Tem curso para quantos jovens? Qual vai ser o resultado? Qual é orçamento?" Estamos um pouco viciados nesse tipo de raciocínio.
Folha - A sra. não acha que, diante de números tão grandes sobre a miséria, não causa frustração falar de um determinado programa que ajuda uma centena de crianças?
Ruth - Não adianta apenas dizer que o problema é grande. Adianta dividi-lo em partes e resolver os problemas por partes.
Folha - A saída de Betinho reforçou as críticas de que o governo faz pouco na área social.
Ruth - Sempre há uma dificuldade de passar uma idéia quando ela está no contrapé das idéias correntes. A dificuldade é um pouco na comunicação dessas idéias.
Folha - Mas a máquina pública é lenta e, aí, não é uma questão de comunicação, mas de constatação.
Ruth - Foi por isso que criamos o Comunidade Solidária -uma secretaria para articular programas de governo. Não criamos outra burocracia, outro ministério. É evidente que a máquina pública tem a sua lentidão e a sua lógica própria. O que fazer? Tentar interferir, avaliar e buscar resultados.

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