São Paulo, sexta-feira, 7 de junho de 1996
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Viciado em preocupação

JOSÉ SARNEY

O senhor Paul Volcker foi o mais poderoso de todos os presidentes de bancos centrais do mundo inteiro, à frente do Federal Reserve, dos Estados Unidos, cargo que ocupou por mais de uma década.
Ele disse que esses grão-senhores, dos quais ele fazia parte, eram viciados em preocupação. Tinham por função o vício de mirar todas as luzes do painel na angústia de esperar que acendessem. Coitado do doutor Loyola.
O professor Rudiger Dornbusch, o americano que diz saber das coisas, chegou aqui espalhando ventos e provocou noites maldormidas e sinais de alarme nas autoridades monetárias. Lembrou o pesadelo do México e ligou as buzinas de incêndio com a maldição dos juros altos e do câmbio defasado.
É claro que com uma profecia desse caos não há nervo de presidente de Banco Central que não tenha uma crise aguda de preocupação.
Eu não posso criticar aqueles que são viciados em preocupação. Eu também o sou, desde menino. Aonde minha memória alcança, no passado, vejo sombras preocupadas e eu mais do que elas. É lembrança da nossa casa no interior do Maranhão, no dia da morte da minha bisavó Sinhá. Tinha quatro anos. Desde então, haja preocupação.
Meu irmão não estudava, tinha provas no dia seguinte, e eu preocupado com a prova que ele ia fazer, e ele não dava a menor pelota. Lembro-me de como passei a infância toda preocupado com a saúde de minha mãe e de meu pai, com as coisas da minha terra e com as coisas do mundo.
Durante a Segunda Guerra Mundial, jovem estudante ginasial, com a transformação de S. Luís em Base Aérea Americana, um dos pontos em que os Aliados faziam a ponte para a África, fiquei noites pensando que São Luís podia ser bombardeada e, daí, haja a pensar em coisa impossível.
Meu rosto não esconde as preocupações. Outro dia, conversando com o presidente Fernando Henrique, tive oportunidade de louvar o seu constante estado de espírito. Ele me disse: "Sarney, você é um tensionado. Eu não perco meu sono".
E eu fiquei pensando como deve ser bom não perder sono. Não fazer "sightseeing" de farmácias, ler bulas, visitar médicos e misturar preocupação com hipocondria.
Mas não se confunda preocupação com pessimismo. Nem pessimismo com cautela, nem cautela com medo, nem medo com frouxidão, nem bravata com "gravata". O pessimismo era o que tinha o meu tio-avô. Procurado por um amigo, que ganhara um grande prêmio de loteria, deu a ele pêsames: "Você, agora, jamais terá sossego. Todos os parentes vão lhe pedir dinheiro emprestado, o dinheiro que você ganhou não dá para isso e toda a família vai ficar sua inimiga. Coitado de você, teve o azar de ganhar na loteria".
Já a preocupação da minha tia-avó era o receio de que o amigo do meu tio gastasse o dinheiro ganho com uma mulata cambraia, dengosa, por quem o velho estava de asa quebrada.
Assim, o vício da preocupação não é somente dos presidentes dos Bancos Centrais. É vício que dá em muita gente. Veja que, agora, estou me preocupando se este artigo está conveniente ou não, e um pouco preocupado com as profecias desse professor Dornbusch, que quer acabar com nossas alegrias.
Mas preocupado mesmo estou com a gravata da Disney que o meu colega Ney Suassuna exibe no Senado...

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