São Paulo, sábado, 8 de junho de 1996 |
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O direito e o outro
LUIZ EDSON FACHIN É necessário superar a questão jurídica das uniões de natureza homossexualHá um desafio na construção de uma sociedade que se quer livre e justa: trata-se do reconhecimento e do respeito ao que é diverso. Para tanto, é necessário superar um suposto assunto proibido e enfrentar a questão jurídica das uniões de natureza homossexual, diante do projeto apresentado pela deputada Marta Suplicy. A relevância jurídica das uniões de fato entre pessoas de mesmo sexo não trata de uma circunstância nova, já encontrada na literatura jurídica e com algum eco no Judiciário, como no precedente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cujo relator atribuiu à hipótese efeitos de sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo. Realmente, "não pode a Justiça seguir dando respostas mortas a perguntas vivas", afirmou o juiz Henrique Nelson Calandra, em recente sentença. É na própria Constituição que está assegurada a liberdade, a igualdade sem distinção de qualquer natureza (artigo 5º), bem como a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (artigo 5º, inciso 10). Admitir o contrário é negar a certas pessoas a condição de sujeito de direitos. Isso já aconteceu quando o sistema jurídico embalou formas diferentes de redução da mulher a objeto ou a um ser menor, incapaz, e os filhos tidos fora do casamento foram excluídos da cidadania jurídica. Segredos conservavam uma decência aparente da família e instituíam a mentira jurídica. Entretanto, como os fatos acabam se impondo perante o direito, mudanças mais recentes têm contribuído para dissolver a névoa de hipocrisia que encobre a negação de efeitos jurídicos à orientação sexual. Por essa razão, é importante o projeto da deputada Marta Suplicy (PT-SP) que procura disciplinar as uniões estáveis e não se propõe a dar às parcerias homossexuais um status igual ao do casamento. A proposição reserva "os termos matrimônio e casamento para o casamento heterossexual, com suas implicações ideológicas e religiosas". É um ponto de partida para desatar alguns "nós" que ainda ignoram os fatos. Note-se que o próprio Código Civil já permite reconhecer como uma sociedade de fato quando as pessoas mutuamente combinam seus esforços ou recursos para atingir fins comuns (artigo 1.363), regra que informa a súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, que admite a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. Não pode o direito fechar-se feito fortaleza para repudiar ou discriminar. O desafio do respeito ao outro, ao diverso, não convive com o silêncio hipócrita. Texto Anterior: Juízes estão sobrecarregados Próximo Texto: Paternidade irresponsável Índice |
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