São Paulo, segunda-feira, 10 de junho de 1996 |
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A Habitat 2 e Deus
JOSUÉ MACHADO A Conferência Mundial sobre os Assentamentos Humanos, a Habitat 2, em Istambul, Turquia, levanta uma pequena dúvida linguística. Na verdade, uma dúvida envergonhada diante de tantos problemas sérios. "Habitat" ou "hábitat"? Com ou sem acento? A Folha registrou o nome da conferência sem acento; outras publicações a acentuaram. Por quê?O nome da conferência não deve levar acento porque foi dado pela ONU, em inglês, que incorporou formas latinas com casca e tudo. "Habitat" é forma verbal latina: terceira pessoa do singular do presente do indicativo de "habitare", habitar. Significa, portanto, "habita". "Habitat", no entanto, é palavra já incorporada ao inglês e ao português como substantivo significante de "lugar de vida de um organismo". Ou "total de características ecológicas do lugar específico habitado por um organismo ou população", diz o "Aurélio". Só que ele a acentuou tratando-a como proparaxítona que é: "hábitat", embora o "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa", oficial, não a tenha acentuado. Ocorre que o "Aurélio" se transformou numa espécie de léxico oficial. E deve-se admitir que, no aportuguesamento de palavras incorporadas, convém que elas se ajustem às regras da língua, com acento, cedilha, o que der e vier. Aurélio acentuou também "déficit" (falta, deficiência, prejuízo) e "superávit" (lucro, excesso da receita sobre a despesa), outras palavras latinas incorporadas. É claro que, em relação a nome de pessoas, entidades ou ocorrências oficiais, como a Habitat 2, o melhor é respeitar a grafia oficial, mesmo que contrária às normas da língua. Ruth Cardoso, por exemplo, é o nome da vice-chefe de nossa superavitária delegação à Habitat 2. Ruth, como os pais a registraram, e não Rute, como se escreveria em nossa amada língua. Por que superavitária delegação? Porque, se em déficits o Brasil é campeão, não deixa de ser uma glória quando consegue obter superávits, ainda que com uma delegação como a brasileira à Habitat 2: é a segunda maior do mundo, entre as dos 150 países participantes. Uma glória que leve para Istambul mais de cem pessoas, fora as 200 e qualquer coisa da delegação extra-oficial. Pujança pura. Deus conosco Talvez porque dona Ruth estivesse tão longe, FHC se entusiasmou por aqui em graçolas recebidas com sorrisos de admiração. "Entusiasmo significa Deus introjetado; é grego, Theos", ensinou ele na posse de Kandir, chamando por alguns de "Tonico Papa-Tudo" por causa do abafamento da poupança. E também porque fala prEvilégio em vez de prIvilégio. Quando dona Ruth está por perto, FHC costuma ser mais contido, porque sabe que santo de casa não impressiona a dona da casa. Principalmente se ela tem aquele ar severo emoldurado por professorais óculos de aro grosso. Inibe e depois vem bronca. Pois entusiasmo não significa "Deus introjetado", como disse ele. Entusiasmo significa exaltação, estado de arrebatamento desordenado da alma que os antigos atribuíam à inspiração divina. Pelo jeito, não só os antigos. Como já explicaram bem articulistas da Folha, entusiasmo vem do grego "enthousiasm•s", de "entheos", inspirado pelos deuses. De "en" (em) + "the•s'(Deus). FHC falou "Deus introjetado". Introjeção é termo psicanalítico que indica mecanismo psicológico pelo qual um indivíduo, inconscientemente, incorpora e passa a considerar como dele características alheias e valores de outrem, diz o "Aurélio". Do latim, "intro", (para dentro, para o meio) + "jectare" (lançar). Pode-se concluir portanto que, ao misturar entusiasmo, Deus e introjeção, FHC incorporou e passou a considerar como dele, inconscientemente (será?), atributos divinos. Deus nos ajude. Texto Anterior: Cinco são mortos em chacina no RJ Próximo Texto: Miséria e renda familiar Índice |
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