São Paulo, segunda-feira, 10 de junho de 1996
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AIDS

Aqueles que consideravam o sexo oral uma modalidade isenta de riscos de contrair a Aids podem colocar essa crença de lado e começar a proteger-se também quando praticam "fellatio" ou "cunnilingus".
Novo estudo do Instituto do Câncer DanaFarber, de Boston (EUA), publicado na revista "Science", mostrou que macacos podem ser infectados pela "sua" Aids -provocada pelo vírus SIV, muito próximo ao HIV- mesmo que o agente causador da moléstia seja introduzido apenas na mucosa bucal. De acordo com os experimentos, o vírus penetra na corrente sanguínea atravessando a mucosa, sem a necessidade de que a cavidade bucal tenha algum ferimento.
Que as mucosas -e também, em menor medida, a própria epiderme- têm capacidade de absorção, não era novidade para os cientistas. Muitos medicamentos são aplicados por meio de supositórios ou de comprimidos sublinguais.
Estranhamente, porém, grande parte dos médicos trabalhava com a hipótese de que o sexo oral só oferecia riscos se o parceiro receptor apresentasse alguma espécie de ferimento na mucosa bucal, que serviria de porta de entrada para o vírus HIV.
Essa duvidosa crença da medicina provavelmente se deveu a perfis epidemiológicos que sugeriam uma baixa taxa de contaminação de Aids por sexo oral. Estudo realizado em 1990 com 82 homens homossexuais e bissexuais de San Francisco (EUA) revelou, porém, que 13 deles (15,85%), depois de testados e considerados seronegativos, contaminaram-se em cerca de um ano praticando apenas o sexo oral, normalmente sem o uso de preservativos. Essa taxa é quase idêntica à da infecção dos homossexuais no universo da Aids no Brasil, que, em 1995, foi de 16% do total de casos.
Esse novo perfil epidemiológico, ainda bastante limitado, só se tornou possível depois da popularização dos meios de transmissão da Aids, quando muitas pessoas passaram a praticar apenas o sexo oral, acrediatando erroneamente ser seguro. Assim foi possível isolá-lo como fator de risco.
O mais curioso da pesquisa do DanaFarber é a conclusão de que, sem ferimentos, a mucosa bucal necessita de uma quantidade de vírus SIV 6.000 vezes menor do que a retal para provocar a infecção. Não é à toa que os remédios para tentar conter inícios de infarto são administrados via sublingual. O contato direto com o sangue, porém, no caso do SIV, ainda é um vetor 830 vezes mais poderoso que a mucosa bucal intacta.
A acreditar na semelhança de contaminação entre o SIV e o HIV, isso explicaria a preponderância da transmissão da Aids por via anal, na qual o atrito cria microferidas no reto e em menor escala no pênis que permitem o contato esperma-sangue ou sangue-sangue. A segunda maior incidência é via penetração vaginal, na qual a lubrificação natural da mulher tende a diminuir o número de feridas. Assim, para uma pessoa com a mucosa bucal saudável -embora isso seja difícil de averiguar-, o sexo oral ainda é uma modalidade mais segura do que as penetrações anal ou vaginal sem proteção.
A técnica de evitar o contato do esperma com a mucosa bucal também não pode ser considerada isenta de riscos. Ainda que a carga de vírus seja um fator importante na instalação da infecção, é preciso lembrar que mesmo antes da ejaculação o pênis segrega um pouco de esperma.
O estudo do Instituto DanaFaber também contraria crença difundida de que o suco gástrico é capaz de aniquilar o vírus quando engolido. Ainda que isso seja teoricamente possível, na prática é inútil, pois os macacos se infectaram da mesma forma.
Como se vê, o estudo traz novas luzes sobre os meios de transmissão da Aids. Ele não deve criar alarme, mas conscientizar as pessoas para a necessidade de proteção em qualquer modalidade de sexo.
Para os amantes de "fellatio" que se queixam da oleosidade dos lubrificantes, é bom lembrar que existem produtos não-lubrificados e, nos EUA, já foi lançada a camisinha mentolada, sem gosto ou cheiro de látex.
No caso de "cunnilingus", pode-se cortar uma camisinha ou utilizar filmes plásticos (tipo Magipack) de modo a criar um anteparo entre a boca e a vagina.
Ainda que a transmissão da Aids pelo sexo oral não seja na prática tão perigosa como poderia sugerir o estudo, quando se trata de proteger-se contra uma moléstia como essa todo cuidado é pouco.
Até que surja um tratamento eficaz ou uma vacina, a única forma de evitar a Aids é a prevenção. Moral da história: use camisinha.

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