São Paulo, segunda-feira, 10 de junho de 1996
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Velho, só se for com gelo

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Foi do dia para a noite. Assim mesmo, um estalo repentino. Súbito, o país descobriu que tem velhos. Ou, por outra, lembrou-se de que os havia esquecido em depósitos absurdos, às vezes fétidos.
Há os que, acometidos por variados tipos de moléstias, da esclerose ao câncer, morrem, suprema ironia, de mortes tão simples quanto banais. Ora a diarréia, ora a desnutrição.
No filme de terror que estamos exibindo ao mundo nos últimos meses, o Brasil muda freneticamente de semblante.
Há poucos dias, tinha a cara dos mortos de Caruaru. Ganhou na cena seguinte a fisionomia dos corpos de Eldorado do Carajás.
Agora, o país tem a cara dos velhos da Santa Genoveva (que nome para uma casa de horrores!). E o que há por trás dessa nova cara? Já se disse que há escassez de verbas para a Saúde. Já se afirmou também que há pilantragem dos donos da clínica.
Mas faltou dizer o principal. Sim, faltou o essencial. Por trás de mais essa face triste de nossa realidade, há o descaso abjeto do Brasil por seus velhos.
Vivemos sob o ritmo da novidade, no embalo da pressa. Encontramos tempo para falar no celular, para ver a novela compacta da Globo, até para reformar uma Constituição que ainda engatinha. Só não achamos tempo para os velhos.
E não se imagine que a chaga do abandono atazana apenas os velhos de famílias pobres ou remediadas. Não, não. Também o velhote de família rica oscila, feito alma penada, entre a amargura e o abandono. A diferença é que, em vez de ser depositado nos corredores de uma clínica com nome de santa, ganha a companhia remunerada de enfermeiras.
No Brasil de hoje, embriagado com tantos problemas sociais, o único velho que tem o seu valor reconhecido é o escocês de 12 anos. Os outros, ah, os outros. Ou jazem mortos, ou aguardam a sua vez.

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