São Paulo, segunda-feira, 10 de junho de 1996
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Quanto vale a Vale

DARCY RIBEIRO

A primeira vez que tratei da questão da Vale, era ministro do gabinete Hermes Lima. Acompanhei ali a luta de João Mangabeira e Gabriel Passos para conseguir do Supremo Tribunal Federal a anulação de uma chicana da Hanna Corporation para apropriar-se do triângulo ferrífero de Minas Gerais. A empresa pretendia converter em título de propriedade meras licenças de mineração para adonar-se de 500 mil hectares de terras ricas.
A pretensão da Hanna foi anulada pelo STF, o que abriu à Vale do Rio Doce possibilidades de expandir-se na mineração e exportação de minério de ferro. Foi tão bem-sucedida que o ministro Eliézer Batista obteve apoio do presidente João Goulart para destinar todas as divisas resultantes da exportação de ferro para a criação de siderúrgicas ao longo da estrada de ferro Vitória-Minas, a fim de que o Brasil passasse a ser exportador de aço.
O projeto era viabilizado pela articulação do Porto de Tubarão (ES) com o Porto de Rijeka, na Iugoslávia, trocando nosso minério por carvão. Uma beleza de projeto, anulado pela ditadura, que chamou a Hanna de volta a Minas, autorizando-a a utilizar e a corroer a Rede Ferroviária Federal para exportar minérios, a custos subsidiados. Uma concessão que valia bilhões, mas pagava generosamente as contribuições da Hanna para a conspiração que levou ao golpe militar. A obra da Hanna só deixou em Minas os imensos buracos de suas jazidas e o sucateamento da Rede.
Mais tarde vi, perplexo, a negociata da conversão de debêntures referentes a empréstimos tomados pela Vale em ações votantes. Criou-se, assim, na estrutura da empresa, um corpo estranho e poderoso de ambiciosos privatistas.
Agora se vê o empenho dos tecnocratas de Fernando Henrique em privatizar a Companhia Vale do Rio Doce. Isso significaria entregar à exploração privada a mais bem-sucedida das empresas de mineração do mundo, criada e desenvolvida por homens públicos. Seria também a apropriação de todo o imenso patrimônio da Vale em Minas e no Espírito Santo e do seu complexo de Carajás, no Pará e Maranhão, bem como de sua rede de transporte marítimo. Representaria ainda a dação de centenas de licenças de mineração de toda sorte de minério, inclusive ouro, que a Vale detém e cujo valor é muito maior que a dívida externa brasileira.
Tudo isso é tanto mais grave porque nenhuma empresa foi tão capaz quanto a Vale de atrair associados estrangeiros para expandir suas atividades, sempre com altos ganhos para o Brasil. Todos eles, inclusive os japoneses, estão preocupados com os planos de privatização, temendo por seus capitais investidos na Vale. Até falaram disso a FHC em sua visita ao Japão.
Ultimamente se noticia o projeto de "democratizar" o capital da Vale pulverizando as ações pertencentes ao governo em milhões de microacionistas. Atrás disso não estará o predomínio daquele grupo das debêntures convertidas em ações? Não será ele que se tornará majoritário, decidindo os destinos da maior, mais rica e mais bem exitosa empresa brasileira?
Acresce a tudo isso que a Vale conquistou, em todas as vastas áreas em que atua, enorme prestígio popular pelo rigor com que cuida dos interesses públicos e por seu alto senso de responsabilidade social frente às populações afetadas por suas atividades.

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