São Paulo, quinta-feira, 13 de junho de 1996
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Curioso aumenta 'quorum' em cemitério

DA REPORTAGEM LOCAL

Milhares de curiosos lotaram ontem os velórios e enterros das vítimas da explosão do shopping em Osasco.
Pessoas que não tinham nenhum parente ou amigo ferido no acidente foram até o Ginásio de Esportes Professor José Liberatti "ver" os corpos.
Em todos os cantos, ouvia-se a frase "não dá para ver nada" ou "chega mais para lá, um pouquinho".
Para garantir o fluxo de visitantes, funcionários da Prefeitura de Osasco pediam: "Mais rápido, gente, mais rápido! Assim não vai dar tempo de todo mundo passar".
A Prefeitura de Osasco calcula que cerca de 15 mil pessoas passaram pelo ginásio, onde foram veladas nove vítimas.
Ônibus funerário
Para levar as pessoas do velório para os cemitérios, a prefeitura liberou quatro ônibus. No lugar da placa indicando o destino, havia um cartaz branco com uma cruz negra pintada.
"Ouvi falar da tragédia e vim correndo. Não conhecia ninguém, mas fiquei tão chocada que vim assim mesmo", disse Mariana Oliveira, ao descer de um "ônibus funerário" na chegada do Cemitério Bela Vista.
As amigas Maria Roberto Martins, 66, e Terezinha Marinho, 53, ambas aposentadas, foram ao velório no ginásio às 13h para checar "se tinha algum conhecido".
"Graças a Deus, não tem nenhum parente nosso aqui, mas viemos assim mesmo, por solidariedade", disse Terezinha.
Mãe
Mesmo no IML (Instituto Médico Legal), durante a madrugada, curiosos engrossavam as filas para o reconhecimento de corpos.
Os corpos foram espalhados no pátio do instituto, sob uma tenda de lona preta.
Os corpos não-reconhecidos foram colocados com os rostos descobertos. Em alguns casos, ferimentos e fraturas dificultavam a identificação.
As pessoas entravam em grupos de quatro pessoas. Tinham cerca de cinco minutos para o reconhecimento.
Em alguns momentos, a fila na porta do IML chegou a 500 metros de extensão.
Ninguém
Na fila do IML, Carlos Alberto da Silva, 27, esperava já fazia uma hora. Ainda tinha muita gente na sua frente.
*
Folha - Quem você espera encontrar aí?
Silva - Ninguém.
Folha - Como, ninguém? Você não tinha nenhum parente ou amigo no shopping?
Silva - Não, não conhecia nenhuma vítima do acidente. Só vim aqui para olhar.
Folha - Olhar o quê?
Silva - Os corpos. Só por curiosidade.
Horrível
Às 7h de ontem, três adolescentes -duas garotas e um rapaz- estavam sentados no Ginásio José Liberati Sobrinho, de cabeça baixa. Eles tinham chegado ao local antes das 6h.
Estavam perto do caixão da estudante Andréia Alves Brito, 16.
*
Folha - Por acaso vocês são colegas da Andréia?
Adolescentes - De quem?
Folha - Da Andréia, ela era aluna do Colégio Raposo Tavares.
Adolescentes - Ah, ela estudava lá?
Folha - É. Mas vocês estão aqui por quem?
Adolescentes - Por ninguém. Viemos só para ver. Quantos anos tinha a menina?.
Folha - 16.
Adolescentes - Nossa, ela está horrível, né?
Cemitérios
Nos cemitérios, os curiosos pisavam em cima das lápides para conseguir uma visão melhor do enterro. Os parentes acabavam espremidos perto dos caixões.
Carolina
Cesar Martins Boghossian, 38, mãe de Claudia, 14, não assistiu todo o enterro da filha. Era muita emoção e muito empurra-empurra. Um homem pedia: "Dêem espaço para a família".
Claudia havia ligado para o pai 20 minutos antes da explosão. "Avisou a mãe que não precisava buscá-la na escola", disse o empresário Luis Carlos Boghossian.
"Quando soube do acidente, comecei a procurar a Claudia loucamente. Acabei encontrando minha filha no pior lugar", disse.

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