São Paulo, sexta-feira, 14 de junho de 1996
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O violino de Einstein

ALBERTO ROCHA BARROS

O que significa um princípio científico explicar outro? Existirá um ponto de partida comum a todas as explicações, que permita uma unificação total da física? Steven Weinberg, prêmio Nobel de física em 1979 por seu trabalho de unificação de duas forças fundamentais da natureza -a força eletromagnética e a força nuclear fraca-, procura responder a essas questões numa longa meditação, que denomina "Sonhos de uma Teoria Final". Preocupado com o lugar da física na cultura humana, Weinberg indaga com o que se parecerá a pretendida teoria final e, quando a obtivermos, o que acontecerá com a ciência e com o espírito humano.
Esses sonhos tiveram início na cidade grega de Mileto, com os primeiros filósofos pré-socráticos: os "physikói" da Jônia. Para o primeiro desses milésios, Tales, o fundamento de tudo era a água; para outro milésio, Anaxímenes, era o ar. Modernamente, esse sonho começa com Einstein, que procurou unificar a gravitação com o eletromagnetismo, na sua teoria do campo unificado. Mas o conhecimento sobre as partículas elementares, constituintes da matéria, era precário nessa época. Os físicos atuais ampliaram o sonho de Einstein no sentido de abarcar as quatro forças fundamentais da natureza: gravitacional, nuclear fraca, nuclear forte e eletromagnética. Sheldon Glashow, que compartilhou com Weinberg o prêmio Nobel, observa que, com a obtida unificação da força nuclear fraca com a força eletromagnética, as forças reduziram-se a três e comenta que essa é "a nossa versão da Trindade" e "o Big Bang é a nossa gênese".
Weinberg procura ilustrar sugestivamente o significado de uma teoria final por meio de um encadeamento de "porquês", a partir das propriedades de um pedaço de giz, tal como o fez o biólogo Thomas Huxley, que, numa palestra intitulada "Sobre um Pedaço de Giz", ensinava a teoria da evolução de Darwin. Partindo de observações simples e imediatas, sempre perguntando "por quê?", somos levados à eletrodinâmica quântica, à cromodinâmica quântica e à síntese dos elementos no universo. Essa sequência de explicações levariam às leis finais, pois convergem para uns poucos princípios fundamentais.
Mas, Weinberg alerta, há dois tipos de problema. Primeiro, o dos "acidentes históricos", que nos leva a ter cuidado com o tipo de explicações que exigimos das leis finais. Por exemplo, uma das maiores regularidades do nosso sistema solar é a de que todos os planetas giram ao redor do Sol no mesmo sentido; e isso não pode ser deduzido da teoria gravitacional de Newton. Atualmente sabemos que é consequência da forma particular pela qual um disco de gás em rotação se condensou, dando origem ao sistema solar.
O outro problema é o da "emergência". A natureza apresenta-se em níveis de complexidade crescente e aparecem propriedades que não têm equivalentes em níveis mais simples. Por exemplo, não existe nada parecido com a inteligência no nível de células vivas individuais, e nada parecido com a vida no nível atômico. Um exemplo de emergência na física é a termodinâmica, a ciência do calor. No começo do século 19, ela foi construída a partir de conceitos como temperatura e entropia por Carnot, Clausius e outros. Era uma ciência autônoma, não deduzida a partir da mecânica das partículas e forças, como seria mais adiante graças a Boltzmann, Gibbs, Maxwell e outros. A termodinâmica ainda usa os conceitos emergentes de temperatura e entropia que não têm nenhum sentido no nível das partículas individuais, embora o encadeamento de explicações leve a leis mais profundas (que usam os métodos da mecânica estatística) e, finalmente, às partículas elementares.
A respeito das questões, Weinberg ainda observa que, se você sai por aí perguntando: "por quê? por quê? por quê?", procurando entender como as coisas são, cedo ou tarde alguém dirá que você é um reducionista. Segundo Weinberg, os físicos teóricos das partículas elementares, como ele próprio, são particularmente propensos a serem chamados de reducionistas. Nesse sentido, o reducionismo é simplesmente a percepção de que os princípios científicos são o que são em razão de princípios mais profundos.
Boa parte das discussões com outros cientistas, como aparece no livro, seria mais esclarecedora se o raciocínio dialético fosse usado. A partir da aceitação da existência de saltos qualitativos, de transformações de quantidade em qualidade, o impasse entre redução e emergência seria eliminado: seria uma espécie de dialética do "como", descritivo e horizontal, com o "porquê", explicativo e vertical.
No capítulo "Contra a Filosofia", Weinberg coloca a questão de se a filosofia pode auxiliar a física, pois "afinal de contas, ela foi a origem de nossa ciência". Em sua opinião, deve-se à filosofia positivista o atual estranhamento entre físicos e filósofos. O positivismo opunha-se à teoria atômica no início de nosso século, com seu instrumentalismo, pois os átomos não podiam ser observados com as técnicas de então. Os cientistas deveriam apenas notificar os resultados obtidos de acordo com as leis das proporções químicas, em vez de fazer especulações metafísicas a respeito da existência real dos átomos.
O positivismo também contribuiu para obscurecer a teoria dos fótons e elétrons, conhecida como "eletrodinâmica quântica". Os teóricos temiam falar de valores dos campos elétrico e magnético no ponto do espaço ocupado pelo elétron, pois estariam introduzindo na física algo que, em princípio, não podia ser observado.
Mas o aspecto mais dramático nessa intromissão do positivismo na física ocorreu com a atual teoria dos quarks. Essa teoria, iniciada pelo físico Gell-Mann, está na tradição do atomismo de Demócrito e Leucipo, que procurava explicar as estruturas mais complicadas a partir de constituintes mais simples. Assim, certas partículas como prótons, nêutrons e mésons eram supostas como constituídas de quarks.
Essas idéias começaram a fazer sentido com o advento da moderna teoria das forças nucleares fortes, denominada "cromodinâmica quântica". Para explicar as forças nucleares fortes foram atribuídas aos quarks propriedades semelhantes às cargas elétricas, chamadas "cores" (que não são cores no sentido comum). Por exemplo, o próton tem três quarks com cores diferentes, que se atraem pela força nuclear forte e que são expressas por meio de partículas denominadas glúons (do inglês "glue", cola). Essa teoria proíbe qualquer processo no qual os quarks e glúons possam ser observados isoladamente. "Não posso imaginar nada de que (o positivista) Ernst Mach gostasse menos", comenta Weinberg, que se confessa um realista, por entender que a natureza é governada por leis objetivas que não dependem materialmente da existência de observadores.
E como seria a forma de uma teoria final? A "teoria das cordas" seria um candidato plausível. (Melhor seria falar de "supercordas", onde o prefixo "super" alude a uma simetria mais ampla.) A raiz dessa teoria está nos trabalhos do físico italiano Gabriel Veneziano, por volta de 1968, cuja motivação era o estudo das forças nucleares fortes, e também na generalização da teoria da relatividade conhecida como teoria de Kaluza-Klein.
Em 1922, o matemático alemão Theodor Kaluza ampliou a teoria de Einstein de quatro para cinco dimensões, mostrando a força eletromagnética como um aspecto da gravitação. Em 1926, o físico sueco Oscar Klein mostrou que esta dimensão extra pode ser acomodada em quatro dimensões, imaginando-a enrolada tal como uma mangueira d'água que tem três dimensões, mas é uma lâmina de borracha de duas dimensões enrolada. À distância, esta mangueira parece uma corda fina e sua circunferência pode ser pensada como um ponto. A teoria de Kaluza-Klein relaciona a circunferência desta "mangueira ou corda relativista" com a carga elétrica. Essa teoria foi generalizada para um espaço de dez dimensões (ou mais), de forma que se trate de uma corda quântica relativista.
Numa tal teoria, as partículas elementares não são objetos pontuais, mas cordas abertas ou fechadas por suas extremidades. Essas cordas vibram e cada corda pode se encontrar em qualquer de seus infinitos modos de vibração possíveis, assim como as cordas de um violino. Porém, neste último, as vibrações desaparecem com o tempo, ao passo que as cordas quânticas vibram para sempre. Como cada corda pode estar em qualquer um de seus infinitos modos de vibração, ela se comporta como uma partícula elementar que pode pertencer a qualquer uma das espécies possíveis.
Weinberg afirma que não podemos aceitar qualquer teoria como final, a menos que bela. E lembra que para Platão e os neoplatônicos, a beleza que vemos na natureza é um reflexo da beleza do absoluto, de modo que a beleza das teorias atuais seria uma antecipação da beleza da teoria final.
As notas presentes no fim do livro são oportunas e interessantes. Sem dúvida, "Sonhos de uma Teoria Final" é muito estimulante não só para estudantes de física como também para o grande público, graças à maneira fluente e espirituosa de Weinberg escrever.

Alberto Luiz da Rocha Barros é físico teórico e professor no Instituto de Física da USP.

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