São Paulo, sexta-feira, 14 de junho de 1996
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A guerra não acabou

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Quando comecei a tomar conhecimento das coisas -se é que realmente tomei conhecimento de qualquer coisa- era fácil brigar pelo lado certo e, se fosse o caso, morrer pela causa certa.
Não sou pago para defender as guerras, mas gostaria de citar Bertolt Brecht (que agora é pouco citado) em "Mãe Coragem": nada como a guerra para as coisas ficarem em seus lugares, os bons de um lado, os maus de outro, os celeiros providos, as safras protegidas, as filas ordenadas, hora de acordar e recolher.
Durante a paz, as coisas se embananam, não há hora para nada e tudo acontece ao mesmo tempo quando nada está acontecendo. Ninguém sabe o que é certo ou errado e todos vão a todas as partes como aquele marquês indignado que montou no fogoso corcel e partiu furioso em todas as direções.
Apesar de alguns conflitos setorizados e da ameaça da bomba de nêutrons (capaz de me destruir 3.467 vezes, mas de deixar intacta a minha geladeira), o mundo vive em paz há 51 anos.
Resultado: a confusão é geral, como na hora da sobremesa do banquete machadiano. Denunciamos todos os sistemas, acusamos o comunismo, o capitalismo, o consumismo, o tabagismo, a carne vermelha, o elitismo, o clientelismo, acusamos até e sempre o Agnaldo Timóteo, que é sempre culpado de alguma coisa.
Isso não resolve. Não estamos felizes, mas atordoados. Daí criamos bandeiras estranhas como a da salvação das focas, estamos aterrorizados com o crescimento do buraco de ozônio e, ultimamente, com as obras do César Maia.
Espero que ninguém conclua que estou sugerindo um conflito universal. Os fotógrafos da "Life", quando terminou a 2ª Guerra Mundial, entraram em crise. Alguns se sentiram rebaixados em ter de correr atrás das Lollobrigidas e Sophias Lorens da vida. Um deles vendeu seu equipamento e comentou: "O mundo vai ficar mais chato!"

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