São Paulo, sábado, 15 de junho de 1996
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Exército do Príncipe

CAETANO LAGRASTA NETO

Parece que os economistas, além daqueles que se prestam a formular políticas para o governo, resolveram perpetuar uma cruzada contra o Poder Judiciário. Suas motivações são pífias, salvo pela menção fortuita a estatísticas -as quais, eles mesmos sabem, prestam-se a qualquer tipo de mistificação- a favor do Príncipe.
As respostas dadas, nesta mesma Folha, aos ataques desferidos pelo então deputado Kandir, não foram suficientes para convencê-lo de que nem só de estatísticas vive uma república neoliberal. A acusação precoce não consegue esconder o desejo daquele "expert" de confundir o leitor, no que é seguido pelo sr. Zini Jr., a fim de apregoar ter descoberto a modernização do Judiciário por meio dos Juizados de Pequenas Causas! Só que estes não mais existem, ante a criação dos Juizados Especiais, de menor complexidade no cível e de menor potencial ofensivo no crime (Lei 9.099/95).
Não se espante o articulista se os novos juizados continuarem sem ter a necessária previsão de ampliação dos quadros da magistratura, dos funcionários e de um mínimo de infraestrutura para seu eficaz funcionamento. O novo monstrengo legislativo trouxe, para a maioria dos grandes Estados e suas capitais, problemas insolúveis, não só para o Judiciário e seus operadores, mas, principalmente, para os menos favorecidos, por continuar impedindo-lhes o acesso a uma ordem jurídica justa.
Na sequência, afirma o mesmo articulista que na Itália foram os juízes e promotores que propiciaram a operação "mãos limpas", enquanto que nos EUA foi necessária a intervenção do presidente Roosevelt para afastar juízes corruptos. Pois bem, deixando de lado a súbita e inexplicável mudança nos assuntos de sua crônica (são coisas do estilo), esclarece-se que: na Itália, juiz e promotor abraçam a mesma carreira e são membros de um mesmo e único Poder, enquanto que, no âmbito deste Estado, é recente a retomada da independência do Ministério Público, ao denunciar ex-governadores, um deles ex-membro da própria instituição. Assim, nada há a falar ou comparar, no breve espaço, com a Itália.
Outro equívoco é o desconhecimento da situação do Poder Judiciário, quando deixa de compulsar as estatísticas da Corregedoria-Geral da Justiça estadual para verificar que o número de juízes respondendo a processos, afastados e colocados em disponibilidade, além de processados criminalmente, ao contrário de economistas, banqueiros e políticos não denunciados, é expressivo.
Por fim, sobra a dúvida: o que pretende ao acenar com a levíssima menção ao aumento do número de juízes do STF? Talvez, pense, como nos tempos da ditadura militar, que, mudando o Príncipe na sua composição, será alcançada a constitucionalidade de mais de 600 Medidas Provisórias e, por meio de súmulas vinculantes, impeça-se a criação jurisprudencial e a livre formação do convencimento do juiz e dos tribunais inferiores, em cada caso.
Arregimenta-se, assim, o exército do Príncipe Brancaleone da Nórcia, comandado por sábios visionários que, a cada manifestação de desespero e miséria do povo, responde com uma cruzada de reformas, pacotes de proteção aos direitos humanos, novos projetos e leis, tudo para encobrir aos leprosos, mendigos e massacrados a insensatez e a torpeza de seu desgoverno, sem contudo deixar de, como lembrou Cony, incentivar a direita à desinibição.

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