São Paulo, sábado, 15 de junho de 1996
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Bergman lança olhar impiedoso sobre seus filmes

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DO MAIS!

Com uma carreira cinematográfica que se estendeu por 40 anos e 55 filmes no currículo, o hoje aposentado diretor sueco Ingmar Bergman é o que se pode chamar de um mestre. Os segredos e as angústias do aprendizado compõem agora a matéria na qual Bergman prolonga sua criação.
Em "Imagens", um livro fartamente ilustrado que a Martins Fontes lança no fim deste mês, Bergman propõe uma crítica de sua própria obra. "Imagens" funciona como complemento à autobiografia "Lanterna Mágica", na qual recuperava numa perspectiva psicológica os fantasmas pessoais que estão na origem de seus filmes.
Aqui a visada é estritamente estética e tem uma justificativa própria. Bergman não se dispôs a livrar as chaves definitivas para a compreensão de seus filmes. Quis na verdade retomar da crítica o direito ao julgamento.
Como a crítica em geral, Bergman se julga um espectador privilegiado. Mas sua avaliação é o oposto do que se pratica hoje. Sem medo de ser impiedoso, ele avança com dentadas contra as falhas que julga ter cometido.
Seu propósito se anuncia desde a epígrafe, extraída de uma notação feita em 1964 em sua agenda de trabalho: "Minha peça começa com o ator que desce à platéia, estrangula um crítico e, de um livrinho preto, lê todas as humilhações que sofreu e de que tomou nota. Depois vomita sobre o público. Em seguida, afasta-se e dá um tiro na cabeça".
No fim da carreira, depois de concluir "Sonata de Outono", não se permite mais auto-indulgências. Sobre este filme, prolonga as palavras de um crítico rigoroso: "Um crítico francês disse, com acuidade, que 'com 'Sonata de Outono' Bergman fez um filme à Bergman'. Isto é uma verdade que me aborrece. Minha opinião é que esse crítico tem razão".
A esta altura não poupa nem mesmo os colegas afetados por tiques de estilo: "Eu admiro e gosto muito de Tarkovski. Acho que é um dos maiores realizadores do cinema. Minha admiração por Fellini não tem limites. Por outro lado, parece-me que Tarkovski acabou fazendo filmes à Tarkovski e que Fellini, nos últimos tempos, fez também um ou outro filme à Fellini. Kurosawa, esse não fez nenhum filme à Kurosawa".
A pertinência de suas análises encontra validade a partir desse rigorismo. Um esforço de exigência que se inicia na criação, se prolonga no trabalho com os atores e se consolida na auto-análise.
A respeito do trabalho com atores, no qual a dureza de Bergman é lendária, "Imagens" traz curiosas revelações. É o caso por exemplo do relato sarcástico sobre Ingrid Bergman, a quem dirigiu em "Sonata de Outono".
"Ingrid Bergman possuía uma espécie de computador genial dentro de si. Embora seus mecanismos de recepção não estivessem onde normalmente costumam estar -e onde devem estar-, Ingrid deve ter sido receptível aos impulsos de um ou outro diretor, porque fez belíssimos papéis em filmes americanos", escreve sobre a atriz.
Para além das anedotas, contudo, o que se entrega de mais valioso em "Imagens" é o significado do impulso artístico. Quando, em 1983, Bergman se dispôs a rever e avaliar toda a sua produção neste "Imagens", confessou: "Tive de reconhecer, em absoluto, que meus filmes haviam sido concebidos em minhas entranhas, no coração, no cérebro, nos nervos, no órgão genital e, sobretudo, em meus intestinos. Uma vontade para a qual não existe nenhum nome foi quem os criou. Uma outra vontade, a que podemos denominar 'alegria de artífice', passou-os para o mundo dos sentidos".

Livro: Imagens
Autor: Ingmar Bergman
Preço: não-definido

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