São Paulo, quinta-feira, 20 de junho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A serviço da memória

JANIO DE FREITAS

Figurantes do novo escândalo nas entranhas do INSS, os que incorporaram os anos de colégio ao tempo de serviço para a aposentadoria, assim se aposentando muito mais cedo, têm um companheiro de prática que, para não considerado também companheiro de irregularidade ou mesmo de crime, deve agora divulgar os esclarecimentos que não deu quando sua aposentadoria foi, ela também, questionada.
Anda já pelos 70 mil o número de requerimentos que o INSS não aceitou, dentre os apresentados neste ano, por incluírem anos escolares no tempo de serviço. É, porém, uma fiscalização para os processos em curso. E quantos casos de irregularidades dessas se transformaram mesmo em aposentadorias, como já está constatado que ocorreu? O INSS não tem como estimar. Logo, não sabe quanto do seu gasto com aposentadorias está sendo consumido em mais esse truque brasileiro.
Nem todas as incorporações dos anos de escola são ilegais. Foi deixada uma brecha para que o tempo em escola técnica federal, desde que havendo algum tipo de remuneração ou auxílio financeiro, fosse considerado na contagem de tempo para aposentadoria. Nisso, pelo menos um punhadinho de civis foi considerado à altura dos militares, cujo tempo de escola é tratado como tempo de serviço. Mesmo quando o militar deixa a farda e, depois de fazer cursos patrocinados pelas Forças Armadas, torna-se técnico civil e, como tal, pleiteia uma segunda aposentadoria.
Não se sabe em que caso, se no legal ou no ilegal, está o cidadão Reinhold Stephanes, que, na condição de ministro da Previdência, é a instância mais alta na investigação de aposentadorias incorretas. A sua não se satisfez em agraciá-lo com um valor substancial. Quis dar-lhe a felicidade suprema, privilegiando-o quando mal entrara na casa dos quarenta. O único senão: a contagem do tempo de serviço deixou dúvidas no seu percurso e na biografia do aposentado especial.
Há uma entrevista de TV do ministro Stephanes, até recente, que conduz a um fenômeno: os anos citados não batem com as idades nem com os fatos biográficos também citados. E olha que essa exposição deixou de fora a passagem do menino Reinhold por uma escola técnica, período que o requerente Stephanes incluiu no tempo de serviço para sua aposentadoria. A memória tem dessas coisas.
Já a lei, pelo menos nesse assunto, é menos sinuosa: referiu-se a escola técnica federal e em determinadas condições. E não é provável que Reinhold Stephanes frequentasse, no Paraná, uma escola que não consta ter existido por lá nos seus anos de escolar. Havia escola técnica, sim, porém estadual e sem remuneração ou auxílio financeiro.
A autobiografia televisiva do ministro Stephanes tem peculiaridades cronológicas fenomenais. Pode ser, então, que seu currículo escolar também contenha surpresas. Até que o principal interessado o demonstre, no entanto, só há dúvidas na aposentadoria do maior responsável pelas investigações de aposentadorias similares à sua.

Texto Anterior: Supremo limita MP do Cadin
Próximo Texto: Maioria apóia greve, mas não participa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.