São Paulo, terça-feira, 25 de junho de 1996 |
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O grito pela vida
FRANCISCO URBANO ARAÚJO FILHO Os trabalhadores rurais e agricultores familiares foram às ruas, durante o mês de maio, para divulgar e defender uma nova proposta de desenvolvimento para o país. Há clara compreensão de que, se o campo vai mal, a cidade também vai mal. Quando recorremos aos dados oficiais, verificamos que há 30 anos 75% da população brasileira residia no meio rural. Hoje, apenas cerca de 25% estão no campo.A população urbana sente diretamente os efeitos do crescimento desordenado das cidades. São precários, quando não insuficientes, os serviços de saúde, educação, segurança, transporte, saneamento básico, habitação, entre outros. A incapacidade do Estado de atender às demandas sociais se reflete na luta pela sobrevivência, no aumento da violência, da fome e da miséria. A cada ano, cerca de 100 mil famílias deixam o campo rumo às cidades. Essa fuga para os centros urbanos decorre da falta de políticas públicas que garantam condições dignas de trabalho e de vida aos trabalhadores rurais. Estamos convencidos de que aos que vivem nas cidades não interessa o inchaço das periferias urbanas. Não interessa aos trabalhadores urbanos o aumento da disputa por vagas no mercado de trabalho. Não interessa às donas-de-casa apertar ainda mais seus orçamentos domésticos para colocar o mínimo necessário de comida à mesa. E supomos que não interessa aos governos tentar fazer mágica com os seus orçamentos públicos para ampliar redes de água, esgoto, luz, urbanização etc. Aos trabalhadores rurais não interessa deixar o campo para viver na periferia das cidades. Eles querem trabalhar, produzir mais alimentos e garantir a sua inserção tanto no mercado produtivo quanto consumidor do país, contribuindo efetivamente para a melhoria da qualidade de vida no campo e nas cidades. Alcançar esses objetivos exige a reformulação das políticas públicas para o meio rural. Durante o "Grito da Terra Brasil/96", os milhares de trabalhadores e agricultores familiares, numa ação coordenada pela Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e Central Única dos Trabalhadores, se propuseram a negociar com os governos federal e estaduais propostas que lhes assegurem condições de permanecer no campo, trabalhar e produzir. Os trabalhadores rurais conseguiram, com base nos dados oficiais, até então desconhecidos por alguns setores do governo, sensibilizar e obter compromissos de instâncias importantes do poder público no que se refere à definição de uma política agrícola adequada à agricultura familiar, à implantação da reforma agrária, ao combate ao trabalho escravo e infanto-juvenil, além de avançar no cumprimento dos direitos previdenciários. Ficou claro para a área econômica que é muito mais barato garantir crédito ao agricultor familiar do que tentar, sem sucesso, conter a migração para os centros urbanos. O custo de uma família assentada é de R$ 16 mil. O custo de um posto de emprego na indústria chega a R$ 80 mil. Além disso, cada família assentada no meio rural garante, no mínimo, quatro empregos diretos. Pela primeira vez, os trabalhadores conseguiram demonstrar à equipe econômica do governo que a agricultura familiar e a reforma agrária não podem ser encaradas como políticas compensatórias. São pilares de uma nova proposta de desenvolvimento social e econômico para o campo com impacto direto nas cidades. Ao contrário de alguns setores que sempre lucraram com o processo inflacionário, o agricultor familiar, por tradição, honra o crédito obtido junto às instituições financeiras com o resultado do seu trabalho, além de responder por quase 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, mas lhe faltam condições para o seu desenvolvimento. Os trabalhadores rurais não gritam por privilégios. Gritam pela vida, por justiça e democracia social e econômica. Esse é o grito que a terra não poderá conter, apesar dos assassinatos, da violência e da escravidão que, ainda hoje, entristecem o campo e retiram do Brasil a condição de nação democrática. Texto Anterior: O Legislativo e os sentimentos da nação Próximo Texto: A morte de PC; Excesso de conversa; Serviços prestados; Tapeação; Bola de cristal; Produto para a elite; Insubstituíveis; Sem negociação Índice |
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