São Paulo, sexta-feira, 28 de junho de 1996
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A reforma agrária por meio da iniciativa privada

ANTONIO DE PÁDUA FERRAZ NOGUEIRA

Os proprietários rurais não aceitam as desapropriações de suas glebas, principalmente quando sequentes às invasões dos sem-terra.
Por outro lado, estes também rejeitam as áreas inférteis nas quais estão sendo assentados. E ambos só são concordes quando reclamam da falta de amparo financeiro para custeio das lavouras.
Pelas estatísticas, outrossim, salvo honrosas exceções, de um modo geral, fracassou a execução do atual plano de reforma Agrária, extremamente oneroso e desgastante para o poder público.
Projetos de lei, agora em tramitação no Congresso Nacional, visando agilizar os processos de desapropriações destinados à reforma agrária e dificultar as reintegrações liminares de posse, poderão gerar mais conflitos no campo, -em face do direito de defesa dos esbulhados "por sua própria força" (art. 502 do Código Civil)-, ou infringir o direito de propriedade (arts. 5º, incisos 22, 23 e 24; 170, 2º; 184, parágrafo 1º, e 186, 1º e 4º da CF/88), ou até mesmo o direito à ampla defesa e ao devido processo legal (art. 5º, incisos 34, 35, 54 e 55 da CF/88), estes últimos imodificáveis, porque traduzidos em "cláusulas pétreas" (art. 60, parágrafo 4º, da CF/88).
Diante desse quadro e sendo de duvidosa razoabilidade as atuais leis fiscal e de reforma agrária, devem estas ser aplicadas com restrições, cautelosamente, pois tanto no ITR (Imposto Territorial Rural), progressivo (art. 153, parágrafo 4º, da CF/88), como na desapropriação agrária revela-se indispensável não olvidar as condições específicas da terra brasileira e sua exploração, que não podem ser comparadas com as de outros países, de menor densidade demográfica e de estrutura socioeconômica diversa.
Impõe-se, pois, diante de tanta insatisfação, que, ao lado do processo de assentamento de agricultores, com base no Estatuto da Terra, também seja criada, prioritariamente, uma política de colonização, verdadeira "reforma agrária atípica".
Seu objetivo seria incentivar a voluntária iniciativa privada, mediante a partilha das grandes glebas, de modo a viabilizar sua aquisição pelos sem-terra, observado o livre mercado e sem o condenável e oneroso paternalismo governamental, a exemplo do que já ocorreu no oeste e noroeste do Estado de São Paulo, bem como no norte do Paraná.
A propósito, cabe lembrar, na Alta Paulista, nas décadas de 40, 50 e 60, lotes de terras férteis e de produtividade imediata, dispensando adubação, foram adquiridos pelos sem-terra da época, pagando módicas prestações -com pequenos juros e a longo prazo-, condicionadas às respectivas safras.
E, plantando café, muitos pequenos proprietários até enriqueceram, o que hoje ainda poderá ocorrer em regiões idênticas de outros Estados, com a exploração dessa ou de outras culturas.
Mas, para o incentivo à implantação desses loteamentos rurais, torna-se indispensável a valorização do remanescente das glebas, o que também se refletirá no valor dos próprios lotes adquiridos pelos pequenos agricultores.
Para isso, ao poder público caberá o compromisso de, ao menos, construir estradas de acesso aos lotes e de implantar núcleos populacionais, lá instalando escolas, farmácias, hospitais e pequenos comércios, que em muito auxiliarão esse almejado processo.
Concomitantemente, urgem desde logo, dentre outras, as seguintes medidas administrativas: a) Imediato exame da verdadeira situação fundiária e agroindustrial do país; b) reformulação do Estatuto do Trabalhador Rural e do Estatuto da Terra; c) instituição de metas de superprodução de alimentos, intensificando a exportação e o consumo interno; d) estudo e equacionamento da política agroeconômica, a curto e médio prazos.
Esse estudo deve ter como escopo: 1) Implantação de silos e armazenamento da produção agrícola; 2) política de preços para os produtos agropecuários; 3) mecanização das pequenas propriedades; 4) ampliação e privatização das ferrovias; 5) criação de cooperativas de irrigação, pesquisa agropecuária, insumos básicos e eletrificação rural; 6) combate às epidemias regionais, à malária etc.
Por meio dessa iniciativa privada, cujo apoio governamental será bem menos oneroso que a desapropriação e o assentamento dos agricultores, se obterá, com certeza, uma pacífica colonização, "reforma agrária atípica", que redundará não só em paz social, mas também em evolução da política agrícola do país.
A função social a ser dada ao latifúndio, decorrente de sua parcial partilha, é o caminho para a racional volta à terra, obstando os excessos e as violências.

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