São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Técnicos criticam projeto agrícola

BRUNO BLECHER
EDITOR DO AGROFOLHA

O plano dos sem-terra, de plantar feijão, milho e arroz nas fazendas onde estão acampados, pode gerar uma safra de prejuízos.
Se a intenção é praticar uma agricultura de mercado, como deseja a maior parte dos entrevistados (78%), a melhor alternativa é fugir dos grãos e procurar produtos de maior valor agregado, como hortaliças e frutas.
"Com o plantio de grãos não há chance de sucesso para a pequena propriedade", alerta Nelson Martins, pesquisador do Instituto de Economia Agrícola (IEA).
Segundo ele, os grãos exigem escala, alta produtividade e mecanização, condições impossíveis de se conseguir em pequenos lotes de terra.
"A única saída, neste caso, é o modelo coletivo de exploração, como o das cooperativas", acrescenta Martins.
Cooperativismo, porém, é um tema que divide os sem-terra, conforme demonstra a pesquisa do Datafolha.

Sistema coletivo Embora 47% dos entrevistados tenham respondido que o sistema de comercialização dos assentamentos deve ser coletivo, uma boa parte (43%) manifestou a intenção de tocar sozinho seu eventual lote.
Espírito corporativista
O interesse em adotar um sistema de comercialização coletivo está mais presente nos acampamentos do Rio Grande do Sul (Alvorada) e Minas Gerais (Barriguda), Estados com maior tradição cooperativista.
"Espírito cooperativista é uma consequência do desenvolvimento e não um instrumento de desenvolvimento", lembra o agrônomo Alberto Portugal, presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Para Portugal, a pequena propriedade hoje não consegue sobreviver se não estiver integrada a uma cadeia, que lhe garanta desde a estrutura de fornecimento de insumos à comercialização.
Essa cadeia, segundo ele, pode ser tanto uma cooperativa como um sistema de integração, como o praticado pela Sadia, que mantém parceria com milhares de pequenos criadores de aves e suínos em Santa Catarina.
"Hoje é mais fácil produzir do que vender. E o esquema de comercialização é mais importante do que a tecnologia agronômica", diz Portugal.
Grãos exigem espaço
Além de estar associada a uma cadeia, a pequena propriedade deve optar pela diversificação.
"Em vez de grãos, que exigem áreas de pelo menos 100 hectares e investimento em mecanização, melhor é optar pelas culturas de maior densidade de renda, como frutas e hortaliças", recomenda o presidente da Embrapa.
Hortaliças e frutas também fazem parte da receita de Nelson Martins, do IEA, para as pequenas propriedades.
"Mas são atividades que requerem mão-de-obra qualificada e muito treinamento", alerta Martins.
A pesquisa, porém, revela que a maioria dos acampados não concluiu o primeiro grau, sendo que 22% deles nunca estudaram.
"É um dado preocupante", diz o agrônomo e economista Fernando Homem de Melo, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da USP.
Pouco preparo
Na opinião de Homem de Melo, a tendência da agricultura é se tornar cada vez mais exigente em tecnologia e qualidade de recursos humanos.
"O pequeno produtor sem acesso a crédito e recursos técnicos não terá futuro", diz ele.
A assistência técnica, lembrada por apenas 4% dos entrevistados, é outro fator importante para viabilizar os assentamentos, segundo Otávio Tisselli Filho, diretor do Instituto Agronômico da Secretaria de Agricultura de São Paulo.
"Sem suporte técnico, os assentamentos têm condições apenas de subsistência", diz o agrônomo.
Na região do Pontal do Paranapanema (SP), por exemplo, a intenção da maioria dos entrevistados é plantar feijão e milho, quando o clima da região e o tipo de solo (de baixa fertilidade) tornam essas culturas de alto risco.

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