São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Cláusula social será teste para o Brasil

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LYON

O governo brasileiro vai ser submetido a uma dura prova na conferência que a OMC (Organização Mundial do Comércio) realizará em dezembro em Cingapura, a primeira desde a sua criação, há um ano e meio.
A OMC é uma espécie de superxerife do comércio mundial e caberá ao encontro de Cingapura uma palavra, talvez final, sobre a chamada cláusula social.
Trata-se, na essência, de "vincular acordos comerciais à obrigatoriedade de os países signatários respeitarem normas fundamentais de trabalho internacionalmente reconhecidas", como diz o texto do comunicado econômico da cúpula do G-7, os sete países mais ricos do mundo, ontem encerrada em Lyon (sudeste da França).
Para se entender o teste a que o Brasil será submetido, basta recuperar a descrição do que o presidente francês, Jacques Chirac, considera normas fundamentais.
"Certos países têm salários e cargas sociais mais baixos, o que lhes dá competitividade. Mas ninguém pode se insurgir contra a situação, porque é um momento histórico da evolução. Mas há práticas condenáveis, como o trabalho quase escravo, a exploração do de crianças e de prisioneiros."
Termina lembrando que seria um tema para a OIT (Organização Internacional do Trabalho). "Mas a OIT constata, condena, e não há consequências", queixa-se.
16,9% trabalham
É por isso que a França e outros governos do mundo rico querem que regras fundamentais sejam examinadas não só pela OIT, mas também pela OMC. Das "práticas condenáveis", o Brasil entra em ao menos uma, o trabalho infantil.
Um relatório que o governo encaminhou no ano passado à ONU admite que 16,9% das crianças entre 10 e 14 anos já trabalham.
O Brasil pode contar com a boa vontade do secretário-geral da OMC, o italiano Renato Ruggiero.
Para ele, papel de polícia não é missão da OMC. Mais: Ruggiero está convencido de que será muito útil, na luta contra a exploração de crianças, constituir um programa financiado por todos os países.
Em contrapartida, o governo brasileiro, bem como os demais que incidem em "práticas condenáveis", será sitiado por um movimento sindical cada vez mais ruidoso na luta pela cláusula social.
O sindicalismo internacional até aumenta a abrangência das normas trabalhistas básicas. Inclui o direito de criar sindicatos e de associação, o de ter negociação coletiva com empregadores e o fim da discriminação por gênero ou raça.
As dificuldades do Brasil serão maiores porque não é apenas a França que defende a vinculação comércio/relações trabalhistas.
O Ato de Comércio dos EUA, de 1988, define como "prática comercial não-razoável a sistemática negação, por governos estrangeiros, de direitos trabalhistas internacionalmente reconhecidos".
No meio do caminho, fica a Comissão Européia, braço executivo do grupo de 15 países. Documento divulgado pela CE para a cúpula prega uma estratégia gradual.
Primeiro passo: "os países em desenvolvimento precisam ter garantias de que seus parceiros mais desenvolvidos não têm absolutamente a intenção de lhes privar do direito de salários baixos e outras vantagens comparativas".
Passo dois: transmitida a certeza, "é justificável começar conversações sobre certos padrões trabalhistas internacionalmente reconhecidos, notadamente trabalho de presos, liberdade de associação e abuso do trabalho infantil".

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