São Paulo, segunda-feira, 1 de julho de 1996
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PF e procurador duvidam da tese passional

JOSIAS DE SOUZA
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

A Polícia Federal e a Procuradoria da República continuam enxergando com uma ponta de ceticismo a tese de que o tesoureiro Paulo César Farias tenha sido vítima de um crime passional. Considera-se precipitada a posição do delegado Cícero Torres, que descarta tenazmente a hipótese de o crime ter sido cometido por motivos financeiros ou políticos.
Representadas no inquérito pelo delegado Marcos Omena e pelo procurador Delson Lyra da Fonseca, a Polícia Federal e a Procuradoria consideram estranha a fluidez e a naturalidade com que os elementos que conduzem para a motivação passional foram surgindo nas últimas horas.
Acham essencial que as supostas evidências passem pela filtragem de uma criteriosa investigação de campo. Uma investigação conduzida não apenas pela polícia alagoana, mas principalmente pela Polícia Federal.
No domingo 23, mal havia visto os corpos, o delegado Cícero Torres concluiu que Suzana Marcolino matou PC e depois suicidou-se. Não houve quem lhe desse crédito. Exceto Augusto Farias, irmão mais chegado a PC.
Imagens
No escasso intervalo de uma semana, descobriu-se um cheque unindo a amante de PC à arma do crime e um motivo capaz de animá-la a puxar o gatilho: o romance secreto de PC com outra mulher, Cláudia Dantas, vendida pelos Farias como uma dama da sociedade. Imagem que se contrapõe à de Suzana Marcolino, vendida pelos mesmos Farias como moça extrovertida e namoradeira.
Mais: chegou-se à fita com gravações que expõem uma Suzana Marcolino muito próxima do desequilíbrio emocional. Em telefonemas para a caixa postal (espécie de secretária eletrônica) de um celular em São Paulo, a namorada de PC derrete-se em declarações de amor e, pouco antes de morrer, promete encontrar "na eternidade" um homem com quem havia se encontrado apenas duas vezes, o dentista Fernando Colleoni.
Há, em Maceió, dois sentimentos conflitantes em relação à torrente de evidências que tonifica a tese de crime passional. O delegado Cícero Torres, entusiasta da teoria, está exultante. Os representantes da PF e da Procuradoria, cautelosos, não chegam a descartar a motivação passional. Mas acham que é cedo, muito cedo, para abraçá-la.
Estranham que tantos e tão relevantes fatos novos tenham caído no colo da polícia sem que nenhuma investigação de fôlego fosse realizada. Há, de resto, elementos que, na opinião da cúpula da PF e da Procuradoria, justificam o aprofundamento das investigações.
Patrimônio
Desde as primeiras apurações relacionadas ao escândalo do Collorgate, a PF identificou táticas de PC para manter seu patrimônio sujo a salvo da Justiça e da Receita Federal. São basicamente dois procedimentos: a abertura de contas bancárias numeradas no exterior e a "terceirização" de bens, incluindo ações de empresas.
Os beneficiários da "terceirização", pessoas às quais PC confiou a guarda de parte do patrimônio, figuram automaticamente na lista de suspeitos. A morte de PC os transforma de testas-de-ferro em proprietários de fato. Estão na lista, familiares de PC e amigos íntimos do clã Farias.
Quanto às contas no exterior, a PF suspeita que, enquanto esteve preso, PC viu-se obrigado a passar procuração para que alguém as movimentasse, provavelmente um de seus irmãos. Também esse irmão, com livre acesso à dinheirama que PC enviou para fora do país, teria, aos olhos da PF e da Procuradoria, razões monetárias para eliminá-lo.
Daí a preocupação em evitar que certos detalhes do caso sejam soterrados pela avalanche de desdobramentos que empurra a investigação para o leito passional. Entre esses detalhes está a fogueira que queimou o colchão e as roupas de cama que compunham a cena do crime.
A queima foi organizada por Flávio Almeira, ao mesmo tempo segurança e secretário particular de PC. Flávio é, segundo a PF, um dos beneficiários da "terceirização" patrimonial promovida por PC.
Mudanças
Flávio é também muito próximo de Zélia Maciel -a prima que, depois de ter dito que Suzana Marcolino abominava armas de fogo, refez o depoimento e disse ter testemunhado o instante em que a namorada de PC comprou o revólver encontrado posteriormente na cena do crime.
Há um outro detalhe que se pretende atrair para o primeiro plano das investigações: os documentos pessoais de Suzana Marcolino foram devolvidos à família rasgados, justamente no lugar em que deveriam estar as suas assinaturas.
Não é só: a PF e a procuradoria desejam lançar um facho de luz sobre as condições que envolveram a contratação de um detetive particular, Alceu Guimarães, para seguir Suzana em São Paulo, nos dias que antecederam o crime.
Bisbilhotice
Primeiro, foi dito que o detetive havia sido acionado por Augusto Farias. Depois, se disse que o próprio PC é quem havia encomendado a bisbilhotice em torno dos dos passos de sua namorada.
Ainda causa certa estranheza a procuradores e delegados da PF o fato de Augusto Farias ter aceito tão rapidamente a tese de homicídio seguido de suicídio. Não foi deglutida também a aversão do irmão de PC ao envolvimento da PF nas investigações.
Por último, considera-se estranho o comportamento do soldado da PM Reinaldo Filho, outro segurança de PC. Foi Reinaldo quem primeiro entrou no quarto em que oram encontrados os corpos.
Em depoimento na última sexta-feira, Reinaldo foi inquirido sobre a presença de outras mulheres no cotidiano de PC além de Suzana. Disse que nada sabia a esse respeito. No mesmo dia, longe dos olhos do delegado, o soldado mudou a sua versão. Reinquirido no sábado, ofereceu à polícia não uma, mas duas novas mulheres -além de Cláudia Dantas, uma estudante inglesa chamada Zara.
Os nomes de Cláudia e Zara pingavam da boca de Augusto Farias, em conversas informais, desde a metade da semana passada. Mas foi com o depoimento do PM Reinaldo que foram introduzidas "nos autos", como os advogados se referem ao processo judicial.
Nem a Procuradoria nem a PF descartam a hipótese de crime passional. Mas acham que, no atual estágio das investigações, é no mínimo conveniente manter a pulga no dorso da orelha.

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