São Paulo, terça-feira, 2 de julho de 1996
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FHC quis mudar câmbio

CELSO PINTO

O presidente Fernando Henrique Cardoso pensou em fazer correções na política cambial no início do segundo semestre do ano passado. Desistiu em função da crise bancária.
Numa conversa recente, o presidente lembrou seu interlocutor que em três momentos tentou corrigir a valorização cambial ocorrida no início do Plano Real, quando ele estava em campanha presidencial e o comando da economia estava nas mãos de Ciro Gomes, na Fazenda, e Itamar Franco, no Planalto. O real chegou a valer R$ 0,83 por dólar.
O primeiro momento em que se pensou em mexer no câmbio foi em dezembro de 1994, com FHC já eleito, mas ainda não empossado. A idéia acabou abortada pela crise do México, dia 19 de dezembro, cuja causa imediata foi exatamente uma desvalorização mal administrada.
O segundo momento foi em março do ano passado, quando houve, de fato, um reajuste. O governo, contudo, estava dividido. De um lado, estavam o ex-ministro do Planejamento José Serra e o ex-presidente do Banco Central Pérsio Arida, defendendo um reajuste mais forte. Do outro, ficaram o ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o diretor do BC, Gustavo Franco, a favor de um reajuste mais moderado.
Optou-se por uma solução de compromisso confusa, mal implementada e que acabou limitando o reajuste. O presidente atribui às confusões a perda da oportunidade de ajustar a política cambial com mais vigor.
O terceiro momento em que o governo discutiu a hipótese de um ajuste no câmbio, até agora desconhecido, foi em julho do ano passado. Desta vez, segundo o presidente, a contra-indicação foi o surgimento de problemas no sistema bancário: em julho, quebrou o banco Econômico, e o governo sabia que o problema não se limitaria a ele.
Corrigir o câmbio não significaria, necessariamente, uma maxidesvalorização, mas poderia ser uma aceleração da desvalorização. O segundo semestre do ano passado era um momento ideal do ciclo econômico para ajustar o câmbio porque combinava uma economia em franca desaceleração e juros estratosféricos.
Os indicadores mostram, a posteriori, que o fundo do poço foi o mês de agosto do ano passado. Um claro sintoma de que o desaquecimento estava funcionando foi a virada nos resultados da balança comercial: em julho, as contas, que vinham fortemente deficitárias, empataram e, em agosto, houve um superávit de US$ 328 milhões.
Ajustes cambiais devem ser feitos com a economia desaquecida para que não se transformem apenas em mais inflação. Com a economia em expansão, o reajuste nominal do câmbio corre o risco de levar apenas a um aumento dos preços, pressionados pelo custo mais alto das importações e dos salários, em reação ao aumento dos preços. Numa economia com uma história de forte indexação e saindo de um processo hiperinflacionário, esse tipo de risco é ainda maior.
No início do segundo semestre do ano passado, o governo tinha duas opções. Aproveitar a forte desaceleração e os juros altos para acelerar o reajuste cambial, com menos riscos de afetar a inflação, ou aliviar a crise bancária começando a reverter os juros e a desmontar o aparato de compulsórios criados para encarecer o crédito.
O comentário do presidente indica que a crise bancária fez o governo desistir da idéia de mexer no câmbio. Curioso, contudo, é que não tenha criado um senso de urgência na reversão dos juros e dos compulsórios, que começaram a cair em setembro a um ritmo extraordinariamente lento. Mesmo a decisão, anunciada sexta-feira, de reduzir um pouco mais o compulsório sobre depósitos à vista, significará que, em janeiro de 1997, o compulsório será ainda de 75% do total de depósitos -um recorde mundial, salvo engano.
O bonde da desvalorização passou. O ciclo, agora, é de clara retomada, e os riscos de um reajuste cambial cresceram. A aposta, ao que tudo indica, é na direção oposta: usar ainda mais a âncora cambial para tentar derrubar a inflação a 3,6% em 98.

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